quinta-feira, 27 de abril de 2017

Opinião - Os Monstros que nos habitam (Antologia)



A Editora Divergência está de regresso com mais uma antologia mostrando que existe nesta cantinho à beira-mar plantado muito talento à espera de uma oportunidade para se dar a conhecer e mostrando também às vozes do Apocalipse que existe publico que gosta de ler contos e antologias neste géneros "marginais"

Quando "Os Monstros que nos habitam" me chegou às mãos não pode deixar de admirar a excelente capa (e que podem admirar acima) e que dá o tom para o que podemos encontrar dentro do livro. Da autoria da Ana Filipa Dias é dela também a introdução onde traça o actual panorama da ficção especulativa (termo pelo qual eu não morro de amores, mas isso é outra conversa) e com o qual, no geral, estou de acordo.

Para além da capa (que não me canso de elogiar) houve outra questão que rapidamente me chamou a atenção: o que é afinal o Paranormal? Para muitos leitores desse lado, e para mim também assim era, a palavra paranormal era sinonimo de sobrenatural. Movido pela curiosidade acabei por descobrir que são palavras com significados diferentes, embora com pontos em comum. Para melhor entenderam as diferenças na definição de Paranormal e Sobrenatural é só seguir os links até às respectivas paginas na Wikipédia.

E então os contos perguntam vós em ânsia? Eis o que a minha pessoa tem a dizer sobre cada um:

A Maldição de Odette Laurie de Nuno Ferreira - O autor presenteia-nos com um conto de fantasia medieval onde o preconceito e o ódio vão desencadear uma maldição com consequenciais imprevistas e claro nefastas. A ideia é boa e as habilidades narrativas do Nuno também, mas ele (parece) perder-se com pequenos apontamentos narrativos que não só não trazem nada de relevante à história, mas que acabam por distrair o leitor. E porquê? Bem um conto, devido ao seu tamanho, necessariamente pequeno, deve ser "directo". Se num formato maior, como o romance, essas "divagações" são algo esperado e até mesmo necessário, no conto tal é "proibido" não podendo o autor perder-se em linhas narrativas acessórias e isto é precisamente o que acontece neste conto, o que é uma pena. Este conto  podia e devia ter sido "limado" destas "arestas".

Vento Parado de Ângelo Teodoro - A morte de um ente querido é sempre uma altura de tristeza e mesmo de alguma confusão emocional e racional. Ora é precisamente por isso que passa a personagem principal deste conto, um escritor que perdeu a esposa num acidente e que vivendo momentos de bloqueio decide que o melhor é deixar a casa carregada de memorias conjuntas e rumar a uma isolada aldeia... e bem acho que já estão ver que a partir daqui a coisa vai correr mal.
Um conto simplesmente delicioso, que me deu bastante prazer ler. Se na antologia "Nos Limites do Infinito" já tinha dado ao Ângelo Teodoro uma menção honrosa desta vez ele sobe ao lugar máximo do pódio com este conto onde demonstra ter um soberbo controlo sobre os tempos narrativos conseguindo equilibrar na perfeição a informação que vai dando, maximizando assim o impacto emocional no leitor. Inicialmente apenas achei o final demasiado abrupto, mas após reflectir por alguns momentos vi a razão da decisão do autor em terminar ali o conto e isso veio reforçar ainda mais o que atrás disse e acrescentou ainda mais prazer à leitura.

A Essência do Mal de Alexandra Torres - Uma esposa foge de um marido bêbado e violento, mas será que consegue chegar a um porto seguro ou será que irá parar num lugar/situação ainda pior? Bem, pior do que viver sempre com medo não sei, mas que o que esta personagem vai passar é bastante assustador lá isso é. Gostei da escrita da autora, simples e eficaz. Confesso que o fim me surpreendeu, não pela originalidade, mas porque a autora me enganou bem enganado e neste casos isso é bom.

Génesis de Patrícia Morais - Um conto (muito) interessante, mas com dois problemas. O primeiro é passar a sensação de que é um prólogo (ou o primeiro capitulo) de uma historia maior, mas confesso que esta sensação pode ser um problema meu. Muitos contos que tenho lido tem me dado esta sensação. Dá-me a impressão de que os autores se esquecem que os contos devem ter principio, meio e fim. Reparem que não há mal em ter um conto que possa ser expandido para, por exemplo, um romance. Não seria a primeira vez e os exemplos são mais que muitos, mas o problema é o leitor no final ficar com a tal sensação de que acabou de ler um prólogo ou o primeiro capitulo de um romance e não um conto. No conto podemos (devemos?) no final ficar com a curiosidade de querer saber mais sobre o mundo que acabamos de "viver" ao invés do sentimento de ter ficado "pendurado".
O segundo problema tem à ver com a temática. Quando comecei a lê-lo pensei: "mas o que faz uma historia de Ficção Científica aqui?". Lá me acalmei e continuei a ler. E a minha paciência foi recompensado quando, talvez a meio do conto, acontece um evento, que por razões óbvias não irei descrever, mas que à primeira vista parece encaminhar este conto na direcção do tom da Antologia. O problema é que no final aquele evento acaba por parecer algo fortuito. Fica a impressão de que apenas lá foi colocado para justificar a presença deste conto nesta antologia.
Para lá destas considerações e analisando o conto isoladamente da presente companhia achei a história interessante e com potencial, com todo o seu ambiente de história alternativa com laivos de Steampunk e que me deixou a querer saber mais.

O Canto da Sereia de Soraia Matos - Se tivesse de escolher uma palavra para definir este conto essa palavra seria confuso. Achei a história e a sua execução nebulosa e em alguns pontos desconexa.
Como ponto positivo gostei de alguns elementos mitológicos que a autora criou, como a razão para as Sereias procriarem tão pouco. 

Páginas Assassinas de Carina Rosa - Dois jovens amigas finalmente vêem-se livros do jugo dos pais quando vão para a universidade. É tempo de descontrair e aproveitar a vida e as festas certo? Errado, porque uma delas está obcecada com uma historia que não consegue parar de escrever, um romance sobrenatural em que o que ela escreve acontece... E bem o resto vão ter ler para saber, mas posso adiantar que é um conto bem escrito, com principio, meio e fim. Gostei do final, embora não possa dizer que é a "coisinha" mais original que li. Não me surpreendeu, mas também não foi algo com o qual estivesse a contar totalmente. Uma repartição de "culpas" que me deixou (muito) satisfeito.




Eis-nos então chegados ao fim, onde tenho a certeza que já salivam por um veredicto! Já vos ouço gritar "Então, tanta conversa, tanta conversa, mas afinal é boa? Vale a pena?" E eu deixo-vos mais um pouco na expectativa enquanto coço a barba (que fofinha está) como um velho sábio e puxo mais uma baforada do cachimbo e limpo os óculos com toda a calma do mundo enquanto vocês começa a ficar vermelhos de impaciência e respondo baixinho: "Sim".

Qualquer antologia que mostre que existe vida para lá dos suspeitos do costume já vale a pena. Qualquer antologia que nos mostre que afinal existem muito mais autores do que aqueles que pensávamos existirem vale a pena.

Qualquer antologia que apresente talentos como esta apresenta vale a pena e acho que por esta altura já aprendemos que as da Editorial Divergência valem muito a pena e esta não é excepção.





Ficou apenas por dizer que o lançamento deste antologia vai ocorrer este Sábado, 29 Abril, às 17h30 na Biblioteca São Lázaro, Arroios (Lisboa) e no Domingo, 30 Abril, às 16h00, no Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha (Santarém), Se puderem apareçam, mas se, como eu, infelizmente, não puderem comparece sempre podem fazer já a vossa pré-encomenda na loja site da Editorial Divergência com desconto  até dia vinte e oito de Abril.

2 comentários:

  1. Viva,

    Pena o conto do Nuno não ser tão bom mas pronto o importante é a antologia ser boa e promover os nossos talentos, fica registada a tua recomendação ;)

    Abraço

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    1. Não sei se iria tão longe ao classificar o conto do Nuno dessa maneira, mas é só ler acima para saber o que penso.

      Sim a antologia é boa e claro que vale a pena promover os nossos talentos, falta o público também as ler e as promover com o "passa a palavra". E acho que as grandes editoras também deviam estar atentas a estas antologias e não só, mas isso já é assunto para outra conversa.

      Um abraço

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