segunda-feira, 19 de maio de 2014

Não sabia que era FC - Uma (possivel) Iniciação à Ficção Científica

Como se pode ler no texto Ficção Científica - Mitos, Preconceitos e Estereótipos muitas vezes as editoras e os autores fazem uns "truques de magia" com as classificações dos livros e em vez de lá vir Ficção Científica vemos "termos técnicos" como Eco-thriller, Literatura Lusófona, Romance e sei lá mais o quê, tudo menos admitir que é FC, ou também FC, porque um livro pode muito bem pertencer a dois géneros, não existem limites rigidamente definidos. Muitas obras pertencem a pelo menos dois géneros. Nas criticas e/ou publicidade que é feita a estes livros gostam muito de utilizar palavras como "Alegoria" (ou sinónimos). Mas atenção que  este "fenómeno" não acontece apenas com livros de FC, os livros de Fantasia são outros dos visados nestas "campanhas". Portanto nada mais natural que até já tenho lido algum livro que preencha muitos dos predicados da FC, mas que tenha sido "camuflado".
Alguns são de autores bem consagrados outros (ainda) não, mas todos têm uma "costela" de FC por mais que tentem nega-lo dizendo coisas com "esta alegoria...". Eu dou-lhes a alegoria dou...





Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago - Surpreendidos? Um laureado com o prémio Nobel a escrever Ficção Cientifica? O nosso Nobel da Literatura, José Saramago? Não é possível, é? Bem tanto é possível que aqui está. Permitam-me delinear os contornos da história para os que a não conhecem: uma estranha doença que deixa as pessoas cegas, um cegueira branca. Acompanhamos um dos primeiros doentes e a sua mulher, que por qualquer razão é imune, mas que prefere acompanhar o marido. Os doentes são colocados em quarentena em condições que se vão degradando cada vez mais. O principal desta história não é diferente de tantas outras histórias de FC: um cenário apocalíptico, neste caso provocado por uma doença de origem desconhecida e a exploração de como a Humanidade reage no seu melhor e pior visto através dos "olhos" de um grupo. Nada de novo aqui, já tinha sido feito antes e já foi feito depois, tirando o facto de ter sido escrita por um escritor fora do "sistema" e isso fez toda a diferença na hora de classificar o livro.
Apenas mais dois apontamentos: o primeiro é que este livro, apesar de ter sido uma boa leitura, contém algumas das passagens mais viscerais que eu já li, digo isto à laia de aviso; o segundo é que podem encontrar um interessante artigo intitulado "José Saramago: O Nobel da Ficção Científica" (o título diz quase tudo) da autoria do Jorge Candeias (embora apareça em quase todo o lado o nome José Candeias) na revista Bang! n.º0 leitura que eu aconselho vivamente. 




A Estrada de Cormac McCarthy - Num mundo pós-apocalíptico, onde aconteceu um desastre, nunca especificado, mas que "queimou" a terra um pai e o seu filho percorrem as estradas em direcção ao litoral, numa aventura onde vão passar por varias provações ao mesmo tempo que nos mostram o pior e o melhor da humanidade. Mais uma vez e como no caso anterior o fundamental da historia não é novidade para os leitores de FC, já li outros livros com premissas similares. Mais uma vez a única diferenciação está no autor: Cormac MacCarthy um dos grandes nomes da Literatura Americana (vivo). A criticas preferem dizer que se tratou da sua "mais pura Fábula até aqui" (The Village Voice), e o autor Michael Chabon insistiu que "A Estrada" não era Ficção Cientifica. É uma bonita história, ao longo do livro o autor faz algumas analepses e mostra-nos como Pai e filho ali chegaram, embora sem grandes revelações sobre o incidente que levou a este cenário de destruição. A história centra-se neste dois personagem e na paisagem, que funciona como o terceiro grande personagem do livro. Foi um livro do qual gostei bastante. 



A Manhã do Mundo de Pedro Guilherme-Moreira - A primeira vez que falei neste blog do preconceito para com a FC este livro foi o exemplo flagrante que dei num texto intitulado: A Manhã do Mundo ou o Preconceito na Ficção Científica (num pequeno apontamento este texto não só foi comentado pelo próprio autor, como levou a que ele fosse convidado a participara no Fórum Fantástico desse ano). A história do livro segue aquela velha premissa do "E se...?". Duas mulheres são transportadas (sem que exista qualquer explicação do como) do nosso Universo num dos dias seguintes ao 11 de Setembro de 2001 para um outro Universo, mas para o próprio dia de 11 de Setembro de 2001 sem que disso tenham consciência. Claro que primeiro o autor leva-nos a conhecer esse fatídico dia e algumas pessoas deste lado e as suas decisões para depois nos mostrar como mudando apenas umas "coisinhas" os eventos conseguem ser diferentes. Foi um livro que me deu grande prazer ler, não só pela historia, mas também pela soberba escrita do seu autor e o qual aconselho sem reservas.



O Quinto Dia de Frank Schätzing - Este livro foi catalogado como sendo um "Eco-thriller", sabem o que é? Pois eu também não e tive de ir à procura e o que encontrei define um "Eco-thriller" como sendo um Triller onde existe um conflito com a natureza... Esclarecidos? Pois eu também achei que é um bocado, qual é o termo técnico? Ah pois: estúpido! Na tentativa de fugir ao selo da FC acabam por criar coisas parvas como esta. Mas permitam-me fazer-vos uma pequena sinopse: Estranhos acontecimentos estão a ocorrer em todo mundo, em comum tem o facto de virem dos Oceanos: ataques a embarcações, a destruição dos cabos submarinos de fibra óptica, etc, etc. Uma equipa é formada para estudar estes eventos. E no final temos... bem não quero estragar o prazer da descoberta a ninguém, mas digo meramente que é surpreendente e que não é preciso ir para os espaço para encontrar novos mundos... Não se fiem na sinopse da editora que peca por ser demasiado centrado no lado sensacionalista do livro. Pelo meio temos muita acção e muita reflexão num livro que faz pensar não só no que andamos a fazer ao Planeta, mas também em como o nosso conhecimento dele é ainda diminuto. É também um daqueles livros em que se nota que o autor fez bastante pesquisa. Um aviso aos mais impressionáveis: apesar de quase ser preciso uma licença de uso e porte de arma para andar com este livro na rua e ser preciso uma grua para pegar nele com as suas quase mil páginas, em letra muito pequena, e mais de 1,5 kg é um livro que se lê extremamente bem e rápido (pelo menos comigo foi).




A Mulher do Viajante no Tempo de Audrey Niffenegger - Mais um livro que apesar de usar um tema tão flagrante da FC, as Viagens no Tempo, se o forem procurar só o encontraram nas estantes do Romances. No site da editora Portuguesa, a Presença, o resumo não faz a mais pequena alusão a FC , dando o destaque ao romance, no site da Wook está classificado com Romances, apenas na pagina da Wikipédia se diz "que foi classificado tanto como Ficção Científica como Romance". A historia gira à volta de Henry, um homem capaz de viajar no tempo, mas que não tem controle para quando (e onde) vai, Clare a sua esposa conhece-o com seis anos, ele conhece-a com vinte oito anos. Não estou contra que se classifique este livro como um Romance, pela simples razão de que ele o é, mas também é Ficção Científica e dizê-lo abertamente apenas mostra o quanto a FC é abrangente e que os seus limites estão bastante mais longe do que se pode imaginar.  


E assim chegamos ao fim destes livros que não sabiam que eram FC. Para a semana a quarta e ultima lista: Os Portugueses também escrevem FC e da boa!!!

4 comentários:

  1. Olá Marco
    mais uma "introdução à FC" fantástica, pois de facto o que se vê nas classificações dos livros deixa muito a desejar, em todas as áreas e penso que mais, quando se trata de um tema que não se vende, ou que se vende pouco, como é o caso da FC.
    como já referi mais do que uma vez, aprendo bastante com estas listas. obrigada pela partilha :)
    Nunca li o "Ensaio sobre a cegueira" do nosso ilustre Nobel, mas vi o filme, e de facto ele encaixa perfeitamente na tua opinião, mas para mim o que retive do filme foi de facto a condição humana e o que os homens (no sentido geral) são capazes de fazer pelo seu próximo!!
    Não conheço mais nenhum dos livros que falas, mas como já sabes ando de olho no "O quinto dia", pena ser tão caro, mas fiquei muito curiosa quando o JB me falou nele e mais agora com a tua opinião.
    Vou registar os outros, pois se algum dia me cruzar com eles, poder aproveitar.
    mais uma vez obrigada pela partilha :)
    e cá fico à espera da próxima, pena que seja a última, estava à espera de ver-te falar mais um pouco sobre FC.
    tudo de bom e beijinhos

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    1. Olá Caminhante

      A classificação dos livros é algo que deveria ser repensado para evitar confusões e mal-entendidos. Colocação, muitas vezes forçada de muitos livros num só género é muitas vezes faz mais mal do que bem. Admiro escritores como o Afonso Cruz que está classificado como Fantasia, mas consegue ir mais além e apelar a outro públicos mais conservadores, sem que em nenhum dos casos os leitores saiam defraudados, um caso a ser estudo.
      Muitos dos livros de FC exploram exactamente a condição Humana e as suas possíveis reacções perante as adversidades, mas claro em cenários que ainda(?) estarão para chegar.
      "O Quinto Dia" é um grande livro, em todos os sentidos e vale bem a pena a sua leitura e a tendinite que virá com ela :D . Tenho cá em casa para ler o último livro do Frank Schätzing, "Limite", mas o raio do tempo não estica, mas não passa deste ano.

      A próxima lista não será a última e também continuarei a falar de FC, mas o mundo não é só FC e existem outros assuntos para discutir.

      Um abraço

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  2. Viva Marco,

    Está visto que tenho que ir fazer uma visita a Anadia e trazer um enorme numero de livros emprestados :D

    E aqui está mais um exemplo que mais vale catalogar os livros daquilo que realmente são, associar a FC é eliminar imediatamente muitos leitores :)

    Dos livros referidos não li nenhum, mas a ver se leio Saramago e Comarc, tenho vários livros do escritor mas ainda não li, a ver se é desta.

    Excelente trabalho Marco, parabens ;)

    Abraço e venha o seguinte :D

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    1. Olá Corvo

      Prometes, prometes, mas vires cá que é bom... e quando vieres tens de trazer caução :P e uma carrinha grande :D

      A escrita do Saramago é "peculiar" e nem todos se adaptam facilmente, mas vale a pena. Além de "A Estrada" já li "Este País não é para Velhos" e também aconselho.

      Obrigado pelo elogio a lista seguinte está já (quase) pronta ;)

      Um abraço

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