"Assim que se fala em FC a malta parece que vê o diabo" - Fiacha o Corvo Negro
A frase pertence ao meu bom amigo Fiacha e resume na perfeição o que acontece quando os leitores encontram nas capas e contra-capas dos livros a mais leve alusão ao facto do livro que tem em mãos pertencer a essa ostracizada categoria literária que é a Ficção Científica (FC). Muito deste desprezo e repudio devem a sua razão de ser a muito mitos que se foram propagando ao longo do tempo e que ganharam estatuto de verdades incontestáveis, cristalizadas num estereótipo, que pouco terá em comum com a realidade. Convém portanto desmistificar alguns destes mitos antes de começar a tentar converter leitores à causa da FC.
Comecemos por tirar o óbvio do caminho. Tal como em todos os outros géneros literários existe FC excelente, boa, suficiente e má. Quero deixar este ponto bem assente para não ser depois acusado de parcialidade. Reconheço que muitos textos publicados são maus, mesmo muito maus, mas neste aspecto a FC é igual a todos os outros géneros literários. Citando um autor de FC, Theodore Sturgeon e mais especificamente a sua lei de Sturgeon: "90% de qualquer coisa é lixo" e na literatura esta lei é bem verdade como todos nós já tivemos certamente oportunidade de provar. Passemos então à desmistificação da FC.
A FC, a boa FC entenda-se, é composta de temáticas de conteúdo maduro. Para quem nunca leu FC isto poderá ser um choque, mas esta é a verdade. A FC vive de temas para os quais é
preciso ter já uma boa bagagem, seja de vivências pessoais seja
literária. É também uma literatura que além de “obrigar” a
saber obriga a pensar. Obriga a pensar porque fala sobre realidades que ainda estão para chegar, ou sobre realidades
que nunca chegaram, mas que são um aviso sobre a nossa e isto causa estranheza a muitos leitores que não conseguem lidar com tudo o que vai para além do que os seus olhos vêem.
Provavelmente o maior mito da FC é que
ela se resume a “naves espaciais e pistolas laser”. Quem nunca
leu acha que sabe sobre o trata a FC, mas a verdade é que ela é
grande, enorme nos temas que trata, tão vasta que muitos de nós que
lemos FC de modo regular ainda não conseguimos ler todo o que ela
tem para oferecer. Sim na paginas de muitos livros de FC vão
encontrar “naves espaciais e pistolas laser”, mas também
historias de amor, policiais, história alternativa, etc . Atrevo-me a
dizer que a FC não é um género, mas um trans-género pois agrega
outros. Mas mais do que ser um género ou trans-género ou outra coisa
a FC é fonte de grandes historias.
Falar dos mitos da FC é falar dos equívocos que muito leitores fazem concretamente quando comparam o incomparável e o
cinema tem sido provavelmente uma das principais fontes deste equívoco. A ligação entre a literatura e o grande
ecrã é já bem antiga e remonta ao primórdios do próprio cinema.
O cinema é algo que é mais imediato e assim muitos leitores acabam por
tomar o que vêem nos ecrãs com o que poderão encontrar na
literatura, ora nada mais errado. As produções cinematográficas, principalmente nos dias
que correm, servem para “encher os olhos” passando assim ao lado
do cerne dos temas das obras que lhes servem de base. Raro é o filme que
consegue fazer a conjugação da parte visual com as ideias do livro
que adapta. E os que o fazem raramente fazem parte dos tops. O
espectador/possível leitor acaba por assumir que os livros são
igualmente vazios de conteúdo e desistem antes de sequer começar.
Muitos leitores já terão lido
pelo menos um livro de FC, mas o preconceito das editoras e mesmo de
alguns autores, em manchar as obras com esse rótulo faz com que
sejam “desviados” para outros géneros. Dobram as regras, ignoram
os factos e chegam mesmo a inventar novos termos para designar esses
livros, mesmo que ninguém saiba o que são. Vale tudo menos admitir
que se está na presença de um livro de FC. E assim se espalha o
mito de que a FC não vende. Não vende devido a esta criatividade
nos rótulos, exemplos não faltam. Não fosse este preconceito e talvez se
descobrisse que afinal a FC vende e vende muito. Não fosse este
preconceito e facilmente se perceberia que muitos do grandes autores
e obras que o mundo conhece são afinal FC. Os rótulos são aqui uma
arma de manipulação. Nos mais de dez anos em que já estou
envolvido no mundo da literatura os livros juvenis passaram a ser
rotulados de "jovens adultos" e os romances de fantasia
mais dedicados ao público feminino passaram a ser designados como
"romances paranormais". Repare-se que o conteúdo não
mudou, os temas também não e os autores muito menos simplesmente
mudou o rótulo para cativar novos públicos. Em vez de se educar o publico dá-se lhe algo de "novo" e como diz o ditado popular "com papas e bolos se enganam os tolos" e este publico, atrevo-me a dizer, gosta de ser enganado.
A FC é (talvez) o género literário
mais mal entendido. Este mal entendido parte dos mitos atrás
descritos seja pela mais pura ignorância, ignorância esta que é
transversal a todos, sejam eles o mais bronco dos leitores ao mais
culto dos editores, seja porque é mais conveniente e fácil.
O problema da FC é o preconceito,
é tomar a parte pelo todo, é o mito, é comparar o incomparável. O
leitor comum assume que sabe o que é a FC baseado num estereótipo
que apenas representa um pequena parte e as vezes nem isso. Não existem formulas mágicas para mudar esta situação, apenas com o esforço de todos se poderá alterar. O principal problema será o leitor ultrapassar este preconceito, mas para o processo estar completo à que encontrar o livro certo. Costumo dizer as pessoas que dizem não gostar de ler que ainda não encontraram foi o livro certo que os faça finalmente ler, e acredito que aqui o caso é o mesmo, com a vantagem que já somos todos leitores. Para a semana conto trazer aqui um lista de livros que poderão ser a vossa porta de entrada na FC. Até lá mantenham uma mente aberta.