domingo, 30 de março de 2014

Opinião – Revista Trasgo 2



E a revista Trasgo está de regresso.

Editorial - Além do habitual desfilar do conteúdo da revista ficamos a saber que a revista irá ser gratuita até ao número quatro.


Contos:

Rosas de Ana Lúcia Merege – Um casal que já passou a idade da propagação da espécie vive uma vida de rotinas. Ele é um professor e está fora de segunda a sexta e ela vive em casa e cuida das suas preciosas rosas. Gostei do conto, embora quase ao início tivesse vislumbrado o fio condutor da história e que lhe dita o inevitável fim, mas isto não lhe tira o mérito de ser uma boa história.

Cinco Bilhões de Victor Oliveira de Faria – Um Sol vermelho está morrer e é preciso salva-lo, mas algo está errado…
Um conto com uma premissa interessante, mas que falha quer na estrutura narrativa quer nos factos científicos apresentados.
A estrutura narrativa é desequilibrada com a “reviravolta” a acontecer demasiado cedo e com uma segunda parte que é um enorme infodump. Rescrevendo o conto, alongando certas partes e intercalando a acção que decorre no longínquo futuro como que se passa no futuro próximo faria maravilhas.
Os factos científicos também mereciam mais atenção para, e utilizando uma expressão brasileira, não dizer bobagem. Por exemplo o Sol só se vai transformar em gigante vermelha daqui a cinco mil milhões de anos (ou como dizem no Brasil cinco biliões de anos) o que contradiz o que vem no conto em que se diz que o Sol, já vermelho, vai morrer na altura em na realidade vai passar a gigante vermelho. Existem mais alguns erros destes, que não interferem com a leitura, mas que exigem pouca procura, eu em cinco minutos na Wikipedia soube logo os detalhes todos e contribuiriam para uma história mais real, não só para os que percebem do assunto como para os outros que aprendem algo.

Hamlet: Weird Pop de Jim Anotsu – Uma jovem encenadora chamada Viola está quase a estrear uma peça de William Shakespeare, “Hamlet”. O problema é que Shakespeare não gostou da versão e do além intima Viola a cancelar a peça sob pena de morte. Quem entrega estas devastadoras notícias é o duende Puck, não só um personagem de Shakespeare, mas aqui também advogado. Este conto está particularmente engraçado e bem escrito. Não só a historia e a narrativa são muito boas como também apreciei a perspicácia com que o autor critica a morosidade da Justiça (algo que me parece que Portugal e o Brasil partilham), mas também outros assuntos, mas mais não digo porque não quero estragar a leitura a ninguém.

Código Fonte de George Amaral – A Juventude Eterna é o tema deste conto de FC do qual gostei bastante, mas sobre o qual é difícil escrever sem estragar a leitura, basta dizer que nada é o que parece...

A Maldição das Borboletas Negras de Albarus Andreos – Embora tenha apanhado o essencial deste conto (acho eu), o facto de ter sido escrito num linguagem com “sotaque cerrado”, quer nas expressões, quer no modo como foi escrito, quer ainda pela utilização de alguma mitologia Brasileira (e apesar de eu ter visto “O Sitio do Pica-pau Amarelo) fez com que eu, um Português, não tenha conseguido aprecia-lo devidamente.

O Homem Atômico de Cristina Lasaitis – Um velho mendigo percorre as praças e esquinas de S. Paulo dizendo que é um físico que trabalhou num programa secreto do presidente Médici, mas como mendigo ninguém lhe liga, pelo menos ao início. A sua presença, mas principalmente a sua oratória vão tornando-se casa vez mais apreciados e a sua história também... Um magnífico conto que quer pela sua história, quer pela sua narrativa e claro pelo seu final que eu apreciei muito.

Tal como a edição anterior edição também neste edição temos um entrevista e mostra do trabalho do autor da capa, Alex Leão e claro as entrevista aos autores dos contos que participaram nesta edição da Trasgo.


Podem descarregar a Revista Trasgo nos formatos epub e mobi.



terça-feira, 25 de março de 2014

Opinião - Revista Trasgo 1



A Trasgo é uma revista digital (Brasileira) de Ficção Cientifica e Fantasia que pretende, e citando o editorial:

preencher a lacuna deixada por uma série de revistas de contos que popularam o imaginário da ficção científica brasileira nas décadas de 70 e 80.

Sem mais demoras passo à opinião do editorial e respectivos contos.


Editorial – Como não podia deixar de neste primeiro número o editorial expressa as suas intenções sempre numa nota de esperança para que o futuro lhe sorria e eu espero que sim.

Contos:

Ventania de Hális Alves – Um conto pós-apocalíptico, supostamente ao estilo “Mad Max”, e inserido no subgénero do Dieselpunk, com a acção a passar-se no Nordeste do Brasil. Sinceramente não gostei, não percebi bem onde estava a parte do Dieselpunk, e se tivesse de o enquadrar num subgénero seria Eólicapunk ou Ventopunk (à vossa escolha). A parte do “Mad Max” também me pareceu algo forçada, visto os três filmes serem maioritariamente “on the road” (na estrada) e a acção deste conto se passar no edifício que dá nome ao conto. Também a escrita não me convenceu. O autor passou a primeira parte com descrições desnecessárias, como por exemplo escrever o modelo das armas e o modelo e cor de uma mota (mais que uma vez) e o final.. bem nem o entendi de tão .

Azul de Karen Alvares - Uma história em tons de azul, aliás em tons de azul-escuro. É uma história sobre uma maldição, azul como não podia deixar de ser. Um conto “giro” que apesar de alguma imaginação não me pareceu assim tão especial.

Náufrago de Marcelo Porto – Um ferryboat que faz a travessia de uma foz avaria e fica à deriva. Uma tempestade forma-se e arrasta o ferryboat, mas o que parecia ser uma estranha tempestade é na realidade um portal temporal que transporta o barco quinhentos anos para trás onde se vão deparar com a chegada de uma caravela Portuguesa que os ataca logo. Um conto com muita acção e História e do qual gostei, principalmente pela reviravolta final embora tenha ficado no ar (pelo menos) uma pergunta sem resposta...

Gente é tão bom de Cláudia Dugim – Uma mulher na fase da menstruação e com um humor capaz de afastar leões e um acidente industrial numa indústria de galinhas. Estranho é a primeira palavra que me vem à mente para descrever este conto, estranho mas bom. Isso e não ter “papas na língua” que utiliza e ainda bem, digo eu. Gostei bastante.

A Torre e o Dragão de Melissa de Sá – Uma contos de fadas, com uma princesa presa numa torre e príncipes que tenta salva-la. Gostei deste conto e da reviravolta final, embora já tivesse “adivinhado” a reviravolta.


Segue-se uma entrevista e a apresentação dos trabalhos gráficos de Filipe Pagliuso, autor da capa. E claro uma entrevista a todos os autores presentes nesta edição. Apenas gostaria de destacar a entrevista a Marcelo Porto que se diz fã de FC, mas que ainda está “descobrindo os clássicos do gênero como Asimov e Ray Bradbury”, algo que eu não deixei de considerar algo caricato.


Em jeito de conclusão achei esta nova publicação interessante, pese embora ter achado o primeiro conto bastante fraquinho em relação ao resto. Espero que seja uma publicação para continuar.


Podem descarregar a Revista Trasgo nos formatos Epub e Mobi

quarta-feira, 19 de março de 2014

Opinião - Halloween de Nádia Batista



O meu texto intitulado Manuel Alves - O Escritor 2.0 teve efeitos maior do que apenas mostrar o novo tipo de escritor que existe, foi também a proverbial gota de água que fez a Nádia Batista  ganhar coragem e lançar-se na auto-publicação e assim tirar o pó aos seus manuscritos, e quem sabe prosseguir e tornar-se uma escritora de relevo, pelo menos assim espero.

Como este é o primeiro trabalho da Nádia vou tentar ser um pouco mais exaustivo na minha opinião para assim e na medida do possível mostrar-lhe onde poderá melhor, dai ter lido este conto duas vezes, o que não quer dizer que não deixe escapar um ou outro aspecto.

Este seu primeiro trabalho é um conto com o titulo Halloween, e insere-se nos géneros do Terror e do Sobrenatural. Vamos conhecer Alexandre, uma paciente num manicómio, que na noite das Bruxas recorda o evento que o lá colocou e assim somos transportados até à sua adolescência.

Começo pelo título: Halloween. O único lugar onde vão encontrar esta palavra é na capa. Ao longo do texto a expressão usada é "Dia das Bruxas" e que seria um titulo bastante melhor. Digo isto porque convém não esquecer que na era do digital as capas dos livros (digitais) perdem a capacidade de atrair os olhos, como acontece com os seus congéneres físicos nas livrarias, portanto um título que faça parar a procura é especialmente importante.

A escrita da Nádia consegue prender o leitor ao texto com um estilo limpo e fluido. Para manter o interesse ela vai colocando sempre alguma pequena reviravolta que nos faz querer avançar e descobrir o que se está a passar, um “truque básico” mas eficaz. O conto é escrito na primeira pessoa, dizem os especialista que não é fácil, mas parece-me que a Nádia se saiu bem neste aspecto.

Nos comentários, expostos no blog Leituras do Fiacha – O Corvo Negro, no post Halloween de Nádia Batista, alguns leitores referem que o texto começa lento e com muitos pormenores e que acaba abruptamente. Concordo com a critica de que aqui e acolá o texto tem pormenores desnecessários, e fosse eu o editor aconselharia a sua eliminação. Quanto à critica do fim abrupto já não concordo, afinal isto é um conto e um conto quer-se curto e conciso o que é o caso. Claro que a nossa curiosidade leva a que queiramos saber sempre mais, mas a magia está em ficar sempre algum mistério.

A escrita da Nádia ainda é “jovem” e ainda tem muito a evoluir e isso nota-se na simplicidade com que ela escreveu, sem grandes floreados ou tiques, longe de ser uma critica negativa, é apenas a constatação de que este é o primeiro passo que a levará a procurar e a encontrar aquilo que é comummente chamado de a voz autoral e se tudo correr bem cá estarei para a ajudar no que puder.

Deixo para final um exercício/desafio para a Nádia, quando a “poeira” assentar volta a pegar neste texto e rescreve-o à luz de todas as opiniões que leste e claro já com mais alguma bagagem literária e não só tu como também todos nós iremos ver a evolução da tua escrita.

Bom trabalho e cá espero ler mais textos teus.


Podem encontrar este conto no site do Smashwords neste link: Halloween de Nádia Batista


quarta-feira, 12 de março de 2014

Opinião - Somnium 107



A revista digital Somnium é uma publicação do Club de Leitores Ficção Científica do Brasil e que tenho acompanhado desde o número 105 (mas que na realidade é o 5) altura em que começaram a ter além do tradicional PDF também os formatos MOBI e claro o que eu uso, o Epub.

Logo a abrir esta edição da Somnium temos uma entrevista, dirigida por Clinton  Davisson, com Richard Diegues editor da (falecida) Tarja Editorial (e escritor). É uma conversa muito interessante pois mostra como não é só em Portugal que existem problemas com publicação de Ficção Cientifica e Fantasia. As dificuldades que por cá passamos também são partilhadas com os Brasileiros, desde os editores aos leitores. Para ler e reflectir pois as diferenças para Portugal são quase inexistentes.  

Seguem alguns contos sobre os quais dou a minha breve opinião: 

Contos:

Lenda Urbana de A. Z. Cordenonsi - O autor inspirou-se nas lendas urbanas (dai o título) e nos efeitos de propagação que essas mesmas lendas tem na população, mas nos nossos dias em que as redes sociais são o veiculo dessa propagação. Levando esta ideia um pouco mais longe todo o conto é escrito como se o autor apenas tivesse copiado os comentários e os tivesse colado numa folha de Word por ordem cronológica. Apesar de à partida a ideia até parecer interessante na pratica não me agradou muito o "produto final". 

Projecto de Mulah de Tróia XXVIII de B. B. Jenitez - O que estaria disposto a fazer pelo amor da vossa vida? O que estariam dispostos a sacrificar pela felicidade de uma família? É o que vamos descobrir quando um escritor famoso e Físico Teórico pretende trocar essa toda essa fama pela felicidade pelo seu Amor e pela unidade e felicidade da família ao planear regressar no "Berço Temporal" (não perguntem que não sou Brasileiro) para salvar o ex-marido do seu Amor. Se parece complicado é porque é complicado. A narrativa é escrita na primeira pessoa o que me pareceu uma escolha acertada, visto que a personagem principal conta a sua história de um modo bem realista, complicado, mas realista. Apesar de lá para o meio ter começado a achar que o autor estava complicar desnecessariamente acabei por gostar do resultado final.

O Paradoxo do Eu Mesmo de Alexandre Santos Lobão - Mais um conto onde as viagens no tempo são o tema central. Nesta temos Boltzmann, um cientista que passou quarenta e dois anos a provar as suas teorias, mas agora quer dar a prova definitiva e mais não posso dizer sem estragar a o conto. A narrativa passa-se num auditório onde o personagem principal revela as suas descobertas e o problema que encontrou. Gostei do tom (bastante) científico, mas que receio afastará alguns leitores menos habituados ao termos científicos. O final poderá não agradar a todos também.

Num Potinho sem fundo de Adriana Alberti - Um conto "dedicado" às recordações, emoções e aos sentidos embrulhados em magia. Embora tenha apreciado formalmente este conto não é o meu tipo de história (pelo menos para já).

Espírito Natalino de Ronald Rahal - Um conto de Ficção Científica que começa com uma premissa interessante, mas que degenera em propaganda religiosa cristã, o que foi pena.

Segue-se a secção de resenhas, mas claro que muito dificilmente os leitores portugueses saberão dos livros que lá são mencionados.

No fim temos uma homenagem a editora Tarja escrita por Álvaro Domingues intitulada "Once Upon a Time..." (algo como Era uma vez). Singela, mas acredito que merecida, embora não possa falar muito pois só conheço a editora pela sua fama.

Mais uma boa revista que eu aprecei bastante ler, que mesmo em "brasileiro" não tive dificuldade em ler e perceber. Agora é esperar pelo número seguinte.


Podem descarregar a revista Somnium 107 aqui onde a vão encontrar nos formatos PDF, E-PUB e MOBI, é só escolher.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Divulgação - Livro sem Ninguém de Pedro Guilherme-Moreira



Depois de ter mostrado o que aconteceu e o que podia ter acontecido no Onze de Setembro de Dois Mil e Um no excelente livro "A Manhã do Mundo" o escritor Pedro Guilherme-Moreira está de regresso com um "Livro sem Ninguém". Pois é leram bem um livro sem ninguém e se à partida a ideia parece absurda a verdade é que a sinopse já me deixou bastante curioso (até porque o livro tem alguém, ou muitos alguém). Se tudo correr como planeado quinta-feira, dia treze de Março, vou adquirir a minha copia quando o seu autor o for apresentar ao Museu de Ovar (só para avisar que também lá irá estar o escritor Afonso Cruz).
Deixo a sinopse para ver ser se também a vós vos deixa curiosos.


Sinopse:
Na rua do arco-celeste há sete casas, cada uma de sua cor; e também um café, uma horta, um jardim, uma florista, uma sucata, um infantário e uma escola. Mas, embora lá vivam pessoas - que frequentam o café, trabalham na horta, lêem no jardim, compram flores para oferecer a quem amam, se desembaraçam dos seus podres ou jogam à bola no recreio -, esta história é contada apenas pelas coisas que lhes pertencem à medida que vão mudando de lugar, e por isso se diz que o livro é sem ninguém. E, ainda assim, durante este ano extraordinário, acontece de tudo na rua: há quem se apaixone e quem se separe, quem nasça, quem morra, quem mate e até quem, depois do trauma, consiga uma vida nova. Mas, como em todas as ruas, havemos de encontrar nesta preconceitos, dúvidas, alegrias, segredos e desgostos. Enquanto isso, o tempo vai passando sem darmos por ele, mas a montra da florista e o que se colhe ou semeia na horta nunca nos deixam perder do mês em que estamos.Num romance profundamente original, a um tempo cru e delicado, poético e realista, Pedro Guilherme-Moreira usa o microcosmos da rua para desenhar o retrato da sociedade contemporânea e abordar temas tão polémicos como a xenofobia, a violência doméstica, a repressão sexual ou o envelhecimento. E - miraculosamente - sem precisar de ninguém.


E se ficaram curiosos deixo as datas das próximas apresentações onde poderão conhecer um grande autor e uma pessoa muito simpática:

Dia 13 - Museu de Ovar, 21:30h, apresenta Afonso Cruz

Dia 15 - Fnac Gaiashopping, apesentam Miguel Miranda e Luis Miguel Rocha - e a alma do Marmelo, em nome dos escritores do Porto, e ainda Clarice Lispector (actuação de actriz do Grupo de Teatro Contra-regra. 18h)

Dia 21 - Coimbra, Bertrand Dolce Vita, 16:30h, em coordenação com a Escola e a Biblioteca Avelar Brotero

Dia 22 - FDUC Coimbra, 15:30h 

domingo, 9 de março de 2014

Opinião - A Fonte de João D. Martins



Depois de ter adorado ler Querido estás Morto (seguir o link para a minha opinião) foi com algumas expectativas que me lancei na leitura deste conto.
A historia começa com Teodésio, um homem que já passou à muito a primavera da sua vida (tem oitenta e sete anos), e para seu azar já não se consegue mexer bem, a idade não perdoa, portanto tem um empregada de limpeza, coisa que ele odeia porque não gosta que lhe mexam nas coisas. A sua esposa está a recuperar de uma cirurgia. Não têm em filhos ou irmãos, e o mais próximo que tem de família no caso dele é um primo em terceiro grau que morava nas Beiras, mas com quem já não fala à muito e é provável que já esteja morto e a esposa tem familiares no estrangeiro, mas não sabe onde. É um homem que já não tem grandes desejos na vida a não ser que o Destino o leve ao mesmo tempo que a esposa.
Um dia de Abril veste a samarra e sai para ir comprar pão, um dos poucos rituais que a vida, os reumáticos e as outras maleitas ainda lhe permitem fazer, mas nesse dia o Destino tinha outros planos.

Foi um conto bastante interessante e do qual gostei e que se resume a um chavão popular: cuidado com o que desejas. Teodésio deseja coisas que parecem simples, mas as consequências são imprevisíveis. Bem sei que esta minha opinião é simples, mas lendo o conto perceberão que é difícil dizer muito sem estragar a história, portanto vão lá ler este conto que tenho a certeza que não se irão arrepender, muito pelo contrario.


Este conto pode ser encontrado no Smashwords neste link: A Fonte de João D. Martins

terça-feira, 4 de março de 2014

Manuel Alves – O escritor 2.0



Quem frequenta o meu blog, O Senhor Luvas, não ficará espantado ao ler que eu considero o Manuel Alves um dos novos valores da escrita em Português. Não só escreve nos meus géneros de eleição, Ficção Científica e Fantasia, mas também é versátil ao ponto de escrever livros infantis e Romances sempre com a qualidade a que estamos a habituados a ver em editoras a “serio”. Mas existe mais um outro pormenor que torna o Manuel “diferente”, ele faz parte de uma nova geração de escritores que começam cada vez mais a fazer parte da preferência dos leitores. O Manuel é o arquétipo desta nova geração, destes escritores do século vinte e um, dos escritores 2.0.

Entre os velhos escritores e estes novos escritores 2.0 as diferenças estão nos pormenores, porque o que os separa é isso mesmo, pormenores, mas que fazem toda a diferença.

O que os une é claro o gosto pela escrita. Em ambos os casos temos pessoas que querem ser reconhecidas e apreciadas e que, de um modo geral, gostariam de viver da escrita. Em ambos os casos o objectivo é escrever e publicar. No fundo ambos querem exactamente o mesmo. É no caminho escolhido que se diferenciam.

Os da “velha guarda” acreditam que é apenas através do livro impresso que esse reconhecimento virá, como se apenas depois de verem o seu nome gravado a tinta na celulose a sua imortalidade estivesse assegura. Estes “velhos do Papel” não acreditam e/ou ignoram todo um mundo que existe para lá da realidade física.

É aqui que aparecem este escritores 2.0, para eles a edição em papel não é uma prioridade, a questão de publicar em formato físico é acessória. O que lhes interessa realmente é dar-se a conhecer ao público. Estão nas redes sociais e sabem usa-las para divulgar o seu trabalho. Vivem do “passa a palavra” (que nestes tempos para o bem e para o mal pode ser tanto uma bênção como uma praga). Não estão dependentes de campanhas “milionárias” de marketing ou da falta delas para os seus livros vingarem. Dependem (quase) única e exclusivamente de os seus leitores gostarem do seu trabalho e iniciarem uma corrente de boas opiniões que leva a mais leitores. Os leitores, seja em que formato seja, acabam por se fidelizar. Neste aspecto o facto do Manuel e outros iguais serem bastante atenciosos com os seus leitores nas redes sociais, o meio por excelência de contacto, ainda os torna mais fieis.

O que escrevem não passa pelo crivo dos editores que, diga-se em abono da verdade, hoje em dia cada vez mais meros publicadores que depois de uma leitura apenas pesam o potencial de vendas e consequente lucro de um livro (na curto prazo, por tudo o que passe para lá das sete semanas sem vender já é um falhanço). As qualidades literárias, seja na escrita seja nas ideias que difundem e poderão trazer novas perspetivas (algo muito importante na Ficção Científica, por exemplo) fica relegado para segundo plano. (Os verdadeiro editores são um espécie em vias de extinção, mas isso fica para outra conversa.)

É interessante notar que alguns dos best-sellers dos nossos dias apareceram primeiro no mundo virtual, com escritores que começaram por se auto-publicar em sites como o Smashwords e afins e tiveram tanto sucesso que as editoras convencionais os foram contratar (a qualidade dos mesmo não é para aqui chamada). É também relevante que alguns deste escritores 2.0 com fama e proveito junto dos leitores já declinaram ofertas, algumas com valores bem elevados, das editoras convencioneis, preferindo publicar sem interferências e intermediários, o que não deixa de ser sintomático do actual estado do mercado editorial.

Estes novos escritores 2.0 são o sintoma de uma mercado editorial doente? Acredito que sim, pois tenho visto alguns autores de qualidade, já publicados em papel a migrarem para o digital. As razões são variadas, mas geralmente giram em torno do desapontamento, da desilusão ou simplesmente do desinteresse com o “mercado do papel”.

Pelo meio temos inevitavelmente os “híbridos”, autores que vivem em ambos as mundos.

Claro que nem sempre temos a sorte de termos escritores dotados como Manuel, mas não podiam ser só pontos positivos. No meio de algumas pérolas temos muito lixo, mas ai as coisas, mais uma vez, não diferem muito do actual mercado editorial convencional em papel.

Estamos então perante um novo tipo de escritor, nascido num novo mundo em que tudo é gratuito, mas onde não há refeições grátis. Competem com as editoras tradicionais obrigando-as a repensar o seu modelo de negócio. Algumas vezes acabam por ir engrossar as fileiras das editoras, outras vezes são o inimigo que lhes rouba clientes (aqui não à leitores, é tudo negocio).

Para já não acredito que se possa dizer que o leitor seja o vencedor. É certo que tem mais escolha, mas porque o lixo é muito os bons escritores podem não se ver no meio da porcaria, mas considero que isso a seu irá tempo irá mudar. Tal como outrora no mercado editorial convencional em papel houve algo mais que o interesse no lucro, gosto de crer que também aqui a qualidade irá prevalecer, mas também não sou assim tão ingénuo para acreditar piamente nisso.


O mundo irá ainda dar muitas voltas, mas penso não errar ao dizer que se abriu uma caixa de Pandora quando se tornou tão fácil editar um livro. O tempo o dirá.