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domingo, 7 de fevereiro de 2021

Opinião - As Crónicas de Allaryia - Volume 3 – Marés Negras de Filipe Faria

 

A capa original com arte do Samuel Santos


Se o fim de “Os Filhos do Flagelo” foi ominoso o início deste “Marés Negras” não é menos com um prólogo que não só é violento como antevê um escalar das ameaças que pairam sobre Allaryia.


A história começa onde termina o volume anterior, em Val-Oryth com os companheiros juntos novamente, e com um deles gravemente ferido.

A primeira parte do livro é praticamente dedicada às consequências e repercussões do que assistimos no final do segundo volume. Apesar de não termos grandes momentos “parados” o Filipe consegue fazer bom uso destes para desenvolver mais os personagens e expandir as consequências das suas experiências anteriores. Assistimos a um Aewyre mais impulsivo que tenta proteger preventivamente os seus companheiros das varias ameaças que os rodeiam, a um Worick mais maternal, mas não menos violento, um Taislin mais soturno. Todos mostram mudanças e não ficam estacionários.

Na segunda parte mudamos de cenário e vamos conhecer Sirulia onde irá decorrer um evento que mudará tudo e de certa forma fecha um ciclo na história.

A actual capa, genérica e pior que isso com nada a ver com o livro 


O meu personagem preferido continua a ser o Worick, mas gostei bastante da forma como o Filipe caracterizou o Seltor, não como um vilão monocromático, mas  muito mais complexo e misterioso. Muitas atitudes que fazem com que a “bota não bata com a perdigota” o que o torna ainda mais interessante e desperta mais curiosidade.


O acto final da batalha de Aemer-Anoth foi bastante interessante. Confesso (novamente) que longos capítulos não são a minha “praia”, mas o Filipe faz bom uso deles. Acho apenas que ele faz demasiado uso, de por exemplo, das descrições das armaduras nomeando todos os componentes o que apesar de interessante e demonstrar que estamos perante alguém que sabe do que escreve acaba por quebrar-me um pouco o ritmo de leitura por não saber de metade do que é que ele está a descrever.

A arte para a capa original da autoria do Samuel Santos


Neste volume o Filipe expande a sua mitologia “Allaryiana” com a introdução de novos elementos, ou de elementos que já sabíamos existir, mas que ainda não tinha oportunidade de conhecer na “primeira pessoa” como os Sirulianos e os Eahlan. Elementos aparentemente simples, como o calendário de Anaerin, vem reforçar a verosimilidade de quem lê dando a Allaryia mais realismo seja nas grandes coisas seja nas pequenas como os procedimentos judiciais dos legistas de Bellex.


Mencionei na minha opinião de “Os Filhos do Flagelo” que as diferenças de escrita entre os dois primeiros volumes eram grandes, mas isso já não se nota do segundo para este terceiro volume o que mostra uma consolidação da escrita do Filipe. Não é algo nem bom nem mau, mas simplesmente um autor a encontrar a sua “voz”.


Que venha o próximo livro.

domingo, 24 de janeiro de 2021

Opinião - A Menina dos Doces de Pedro Cipriano

 



O Pedro Cipriano voltou a surpreender-me com “A Menina dos Doces”. Enquanto “As Nuvens de Hamburgo” era uma história no género de Ficção Científica / Fantasia este livro não podia ser mais ancorado na nossa realidade, uma realidade infelizmente demasiado presente nas nossas vidas, mas muitas vezes não reconhecida e discutida. 

É um livro que “esconde” ao que vem, mascarando-se como um mistério, que também o é, mas o seu verdadeiro valor reside na maneira como nos apresenta e faz pensar em alguns problemas aos quais muitas vezes não damos valor até ser tarde demais (a não ser que já tenhamos passado por eles directa ou indirectamente) como o bullying, a depressão, a negligência parental ou as agressões (físicas ou psicológicas) no namoro. O Pedro não reserva a mesma atenção a todos os temas, a questão da violência no namoro é mencionada de “raspão”, mas só o facto de lá estar revela a atenção do autor a estas questões e claro que seria difícil prestar a mesma atenção a todos e ter um história coerente.

A hitória é divida entre as duas personagens principais: a Mariana e a Liliana, primas afastadas por quase quinze anos e um mistério que  a família tenta a todo o custo esconder. Como já devem ter lido da sinopse o mistério é porque ninguém quer falar da Liliana e o que lhe aconteceu. Pelo meio o Pedro abordará as questões que acima menciono e outras sem que as mencione pelo nome. Para mim a mais flagrante terá sido a depressão. Sem que a palavra apareça uma única vez descreve uma pessoa que se vai degradando lentamente à nossa frente até ao momento final. A Depressão é uma doença a que ligamos pouco e tendemos a descarta-la e pensamos que se resolve com uns comprimidos e/ou com palavras ocas como “não penses nisso”, mas a verdade é que é muito mais complicado do que isso. 

O cidade de Aveiro e todas as suas “atracções” são o palco que aqueles que a conhecem reconhecerão. Para quem conhece ou viveu na cidade será um ponto adicional de contacto com a história e certamente de nostalgia e para quem não conhece parece-me um bom ponto de partida para despertar a curiosidade e quem sabe vir conhecer.

Este livro pode servir como ponte entre pais e filhos para abordar temas nem sempre fáceis, como a depressão, a sexualidade, o bullying ou as amizades. Aos pais relembra-los que a adolescência e o inicio da vida adulta não são fáceis e aos jovens que os pais já por lá passaram e que podem ter conselhos preciosos que os ajudem a navegar esses tempos tumultuosos.

Foi um livro que tive de ler até ao fim para abarcar todo o seu impacto. E bem sei o que parece dizer isto, mas este livro relembrou-me isso como há muito tempo não acontecia.

A escrita do Pedro está cada vez melhor e espero o seu próximo livro para ver onde nos leva ele.

domingo, 17 de janeiro de 2021

Opinião - As Crónicas de Allaryia - Volume 2 - Os Filhos do Flagelo de Filipe Faria

 

A capa original da autoria do Samuel Santos

Os Filhos do Flagelo marca o regresso a Allaryia num segundo volume lançado apenas oito meses depois do primeiro, mas se o tempo entre os dois lançamentos é pequeno as diferenças na escrita dos dois volumes são enormes. As capacidades narrativas do Filipe estão mais maduras, sem que isso signifique a perda daquelas que são algumas das suas imagens de marca, como o uso ostensivo de todo o vocabulário que a língua Portuguesa oferece ou as intrincadas descrições das batalhas e lutas. As personagens tem mais profundidade, evoluem, as dinâmicas mudam e as consequências dos seus actos tem impacto em si e nos que os rodeiam. 


Este volume também marca uma viragem na história, os companheiros separam-se no final do primeiro volume e neste assistimos às consequências dessa separação. O autor opta por intercalar as duas linhas narrativas, uma opção, na minha opinião, tão válida como ter escrito primeiro uma e depois a outra (algo feito por J.R.R. Tolkin em “As Duas Torres”), embora tenha preferência pelo que o Filipe fez, porque assim somos deixados num estado de ansiedade que nos leva a querer ler mais para saber o que se vai passar. É um truque “barato”, mas funciona e como se diz na gíria desportiva em equipa que ganha não se mexe. E para “ajudar” os capítulos são também mais pequenos, o que é algo que pessoalmente me agrada muito, não sou fã de capítulos grandes. Assim a leitura torna-se mais imersiva e leva-nos a quer ler (ainda) mais, mas não direi que é necessariamente mais rápida.

A nova e mais uma vez genérica capa...


É também neste volume que ocorre um dos momentos mais emotivos da saga e que deixou as suas cicatrizes quer nos personagens quer nos fãs: um dos companheiros morre e como será óbvio não irei dizer qual. Inclino-me a dizer que foi um risco, porque embora a morte de personagens não seja uma novidade nas sagas de Fantasia normalmente as personagens centrais costumam estar salvaguardadas, principalmente se estamos a falar de Fantasia mais juvenil, pelo menos era mais comum noutros tempos.


O fim é ominoso deixando antever uma escalada muito grande nos perigos que se avizinham, felizmente desta vez não tenho de esperar um ano para seguir a história. É só ir à estante e pegar no volume seguinte.


A Arte original do Samuel Santos para a futura capa d"Os Filhos do Flagelo".


Finalizo esta minha opinião: todas as criticas que podíamos fazer ao primeiro livro, muitas legitimas, caem por terra neste. Este é um livro escrito não por um puto que gosta de fantasia, mas por um escritor que sabe o que faz. E isto é o que pode acontecer quando se dá uma oportunidade a alguém apaixonado que transforma essa Paixão em Amor.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Opinião - As Crónicas de Allaryia - Volume 1 - A Manopla de Karasthan de Filipe Faria

 

Capa Original com arte de Samuel Santos

Existem livros que nos marcam e se tivesse de escolher um seria sem duvida "A Manopla de Karasthan" do Filipe Faria.


Lançado em Abril de dois mil e dois este livro marcou o inicio de uma Era, não só pessoal, mas principalmente na literatura nacional. Longe iam os dias áureos das colecções de Ficção Científica, como a de Livros Azuis da Caminho ou a Nébula da Europa-America, colecções moribundas que morreriam pouco tempo depois. É então que a editora Presença decide lançar duas colecções quase seguidas: a Viajantes no Tempo em Julho de dois mil e dois, uma colecção de Ficção Científica com grandes nomes do género e que tentou também lançar nomes portugueses e claro a Via Láctea do qual este foi o seu primeiro titulo. “A Manopla de Karasthan” trazia consigo o prestígio do Prémio Branquinho da Fonseca de Literatura Juvenil instaurado pelo Jornal Expresso e pela Fundação Calouste Gulbenkian e isso talvez explique o risco de começar um nova colecção com o primeiro livro de autor completamente desconhecido (algo que hoje é quase impensável).


A nova capa, sem personalidade e se originalidade 



Vamos ao livro e comecemos por tirar o óbvio do caminho: é este o melhor livro do mundo? Não. Este livro é uma carta de amor ao género escrito por um jovem adolescente com tudo o que isso implica. A inspiração, para não ir mais longe, são autores e livros como Tolkin e o seu Senhor dos Anéis ou a saga Dragonlance de Tracy Hickman e Margaret Weis e outras influencias como Dungeons & Dragons ou Magic the Gathering. Está lá tudo, as raças, mesmo que com outros nomes, a viagem do(s) herói(s). Enfim todos os clichés que tanto adoramos e simultaneamente odiamos. Este livro é quase uma fanfic. Ao reler este livro agora pela quinta ou sexta vez dou por mim a pensar que esta ou aquela passagem podia ser mais clara e com menos palavras, mas teria eu feito melhor com quinze ou dezasseis anos? Não e não sei se o faria agora (não, não o faria). E é isto que muitos esquecem quando lêem o livro. Quando foi lançado, este livro e o seu autor foram alvo de muito ódio, foram ditas e escritas coisas que ainda hoje me provocam confusão. Mas apesar de tudo isto este livro foi o ponto focal de uma nova geração de autores portugueses. Algo semelhante ao efeito Harry Potter, mas este era nosso, era Português e se ele o podia fazer porque não eu? E para mim mais que a ingenuidade da escrita, dos clichés e de tudo que possam apontar de negativo ao livro o facto de ter servido de inspiração a tantos de nós, leitores e escritores, justifica por si só a sua publicação. No momento em que li este livro tivesse eu lido outro livro, como “O Senhor dos Anéis” teria ele me inspirado a ler mais como “A Manopla de Karasthan” fez? Não sei e nunca irei saber, mas gosto de pensar que sim, que foi o livro certo no momento certo para me tornar o leitor que sou hoje. É o livro que pais, tios ou simplesmente amigos dão de prenda a uma nova geração de leitores na expectativa que tenha neles o efeito que teve em quem ofereceu (na feira do livro do Porto assisti a um caso destes). Eu espero o dia em possa dar a conhecer este livro (e seguintes claro) à minha sobrinha e ver nela o que eu senti quando o li pela primeira vez. E este é talvez o maior elogio que eu possa fazer, ter gostado e ter me marcado tanto que o quero partilhar com a próxima geração. 


Se estão à procura de um livro que possa agradar a uma nova geração este pode ser o livro ideal, mas se vocês já são leitores “velhos” como eu então é provável que vejam mais os seus defeitos do que as suas virtudes apesar de alguns conseguirem perceber o porquê do seu sucesso e do carinho com que fãs como eu falam dele.


E antes que comecem a pensar o pior posso desde já garantir que os livros seguintes melhoram muito, mesmo muito, mas mesmo muito e nada fica a dever ao autores estrangeiros que são a primeira escolha das editoras portuguesas, o que é uma pena.


A arte do Samuel Santos em todo o seu esplendor



Podem odiar ou amar, mas não podem negar o lugar que este livro tem na História da Literatura Nacional.

Bem sei que não falei da história, mas não me dou a sinopses e se chegaram aqui é porque já a conhecem, quis falar do quanto o livro significa para mim e para tantos outros e talvez no processo aguçar-vos a curiosidade para ler ou dar a ler. Espero ter conseguido pelo menos umas das duas.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Opinião - Somos Felizes de Sara Farinha



"Somos Felizes" de Sara Farinha fecha esta antologia "Por Mundos Divergentes". Este é um conto especialmente assustador porque a realidade descrita parece estar ao virar da esquina.
Somos apresentados a um mundo onde não se pode ser infeliz. As consequências de quem não "obedecer" podem ser... bem digamos que nada boas...

É neste cenário que vamos encontrar Bruno, um homem assolado pela morte do seu melhor amigo e que desobedecendo à lei assiste ao funeral. Impossibilitado de fazer o luto entra numa espiral de depressão, mas tem de a esconder.

Por todo o lado estão mensagens como "Somos Felizes", "Todos temos a obrigação de ser felizes" e com este tipo de "publicidade" fazer o luto torna-se difícil, para não dizer impossível. É neste ponto, em que é acossado entre uma depressão e as visitas de uma terapeuta relacional (que lhe faz avaliações psicológicas), que entra na sua vida alguém como ele. Confesso que pensei que estaria neste relacionamento uma espécie de salvação, mas... 

Foi um conto que adorei ler por várias razões. Primeiro o tema: hoje em dia quase que somos obrigados a sermos felizes, somos constantemente bombardeados com anúncios de vidas felizes e somos assolado por um sentimento de culpa quando passamos um "mau bocado" é por isso que afirmei no inicio que este conto é assustador. A segunda razão foi porque adorei a escrita da Sara Farinha. Apreciei bastante a maneira como ela conseguiu manipular as minhas emoções.

Este conto fecha esta antologia e pareceu-me um boa escolha para tal.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Opinião - Arrábida 8 de Pedro G. P. Martins




O autor, biólogo de formação, vai ai buscar o cenário para esta história. Uma nova e desconhecida praga assola os arrozais da baía do Sado e cabe a Aldo 9 e a Sofie 1 descobrir com a travar. Como será evidente as coisas não são assim tão simples e serão muitas as complicações a enfrentar.

Foi um conto que me deu bastante prazer ler por vários motivos. O mundo que o Pedro G. P. Martins criou é excelente com muitos pontos de interessante como o nome dos personagens e o que isso significa, o ambiente naquela que foi outrora a cidade Setúbal ou sistemas de créditos são elementos bem explorados pelo autor.

Outro aspecto importante é ele saber seguir a regra do "show don't tell", porque faz com que a história seja mais interessante, fluída e isso faz maravilhas pela leitura e pelo interesse do leitor.

Nesta mesma antologia já tínhamos um conto (Patriarca de Ricardo Dias) com reminiscência do clássico de George Orwell  "1984", aqui à (também) outro clássico a dar o ar da sua graça: "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley com varias piscadelas de olho a essa obra como os comprimidos soma...

Enfim só coisas boas a apontar.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Opinião - Dispensáveis de Ana C. Nunes



Existe uma fábula que conta a historia de uma aldeia em que era tradição levar os mais velhos e incapazes até ao monte, longe das pessoas e da civilização e deixa-los lá. Um dia um filho faz isso com o seu pai, tal como a tradição manda. Lá chegados dá ao pai alimentos e uma manta, o pai diz-lhe para cortar a manta em dois e o filho pergunta-lhe para quê e o pai responde simplesmente para ti quando for a tua vez. O filho ouvindo tais palavras pega no pai e leva-o de volta  a casa declarando que aquela tradição acabava ali. Acredito que tenha sido esta história a que Ana C. Nunes tenha vindo beber (parte) da inspiração para este conto.

Aqui somos confrontados com um Portugal num futuro não muito longínquo (o protagonista nasceu em 1979) onde os que não conseguem trabalhar, sejam eles novos ou velhos, ricos ou pobres, são dispensáveis e tal como na fábula acima referida são deixados num lugar remoto para morrer. O que levou a isto foi uma crise económica, primeiro a nível Europeu seguida de uma a nível Mundial, levando Portugal a uma ditadura de extrema direita. (Quase) Tudo isto é nos contado num monologo logo ao inicio, alias todo o conto é na primeira pessoa e isso ajuda a dar uma visão mais pessoal. Confesso que por um lado achei o monologo interessante, quase como se fosse uma conversa por outro existe lá fundo uma vozinha a dizer: podia ter arranjado maneira de mostrar isto.

Gostei da história e que apesar de bem contado achei que a autora podia ter dado mais ênfase a alguns aspectos, mas isso é já entrar pelas opções que tem de ser tomadas pelo autor e não quero ir por ai. 

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Opinião - Em Asas Vermelhas de Nuno Almeida




Recentemente vi o filme "Alita - Anjo de Combate" e as histórias de fundo são muito similares, uma guerra que destruiu o mundo, uma cidade onde ficou a elite e uma cidade que vive do lixo da primeira e onde ficou o resto da humanidade. Neste caso existe um acrescento de racismo, em que a elite são brancos, louros e de olhos azuis e os que ficaram na cidade de lixo são pretos.

Apesar de ter gostado do inicio comecei logo a ver uma pressa nada boa e que infelizmente se estendeu até ao fim do conto. Um exemplo disso é a personagem da Heidi, de menina mimada a um espécie de heroína foi um "abri e fechar de olhos" que não me convenceu. Bem sei que é um conto e que tem limitações de espaço, mas alterações de personalidade tão radicais em não se explicam com isso. 

Nota positiva para a escrita do Nuno, reconheço que tem muito potencial pena que a sua arte de criar e dar vida às suas personagens não esteja (ainda) à altura, mas nada que a pratica não possa melhorar.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Opinião - Patriarca de Ricardo Dias



Este conto faz, em certos momentos, lembrar aquela que é uma das mais conhecidas distopias: mil novecentos e oitenta e quatro de George Orwell. Mais que uma imitação é uma homenagem a essa obra (é mencionada nas suas páginas algumas vezes). O autor tentar dar um passo mais longe actualizando-a para as preocupações da falta de privacidade que nos assolam nestes dias e como essa mesma falta de privacidade pode ainda piorar num regime totalitário que pretende o controlo absoluto da população. Se na obra de Orwell temos o Big Brother aqui temos o Patriarca (não irei revelar o que é para não estragar a história). Em mil novecentos e oitenta e quatro temos o controlo da historia  aqui  é a vigilância e até onde ela pode ir e o que nos resta como espaço pessoal. É um tema que me agrada e que está cada vez mais na ordem do dia, mas que gostava de ter visto explorado de modo mais profundo (os infodumps não ajudaram, mas já falarei deles). O conto ficou superficial, abaixo do seu potencial. 

Como já disse os infodumps não ajudaram. Bem sei que é necessário dar contexto e que um conto não tem muito "espaço" para tal, mas considero que foi excessiva a falta de equilíbrio entre informar o leitor e os momentos de acção. Na medida do possível gostava de ter visto o autor seguir a regra que diz: Mostra, não digas (Show, don't tell).

Existem algumas falhas na revisão, felizmente poucas, mas que fazem com que tenhamos de parar momentaneamente a leituras para perceber se fomos nós que lemos mal ou se foi mesmo uma falha e isso afecta o ritmo da leitura.

Um conto com (muito) potencial, mas que fica aquém do esperado. 

domingo, 7 de abril de 2019

Por Mundo Divergentes - Uma Antologia



Depois da excelente antologia Proxy sigo para outra antologia da Divergência: Por Mundo Divergentes. 

É um livro já de Junho de dois mil e quatorze. Em aspectos como a paginação nota-se que ainda é de uma fase inicial da editora, não que isso lhe tire ou acrescente qualquer mérito, mas se pegarmos num livro actual vê-se uma evolução bastante grande e existe algo de bastante agradável nisso.

Quanto ao conteúdo deste livro é uma antologia com cinco contos de distopias passadas em Portugal "num futuro por vezes mais próximo, por vezes distante". Eu gosto bastante de distopias, adoro a pergunta "E se?" e é também um dos grandes sub-géneros da Ficção Cientifica.

Quanto aos autores já li quatro deles (não me lembro de ter lido nada do Nuno Almeida) e só tenho boas recordações deles por isso espero boas coisas desta antologia.

A partir de amanhã podem contar com a minha opinião a cada conto todas as segundas-feiras.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Opinião - Bastet de Mário de Seabra Coelho



E é com este conto do Mário de Seabra Coelho que se fecha esta primeira antologia cyberpunk totalmente em Português e como leitor melhor final não se podia pedir.

Adorei como o Mário preparou o "terreno", como nos deu a conhecer as personagens, a caracterização das mesmas, o facto de não se ter deixado dominado pelo politicamente correcto e ter criado personagens reais que falam como nós (a esta altura já devem ter inferido que o meu personagem preferido, se tivesse de nomear um, é o Lope, o facto de (quase) partilharmos o mesmo nome é apenas uma feliz coincidência).

A (boa) Ficção Cientifica tem esta característica de nos fazer reflectir sobre o Futuro no Presente e o tema escolhido não podia ser mais pertinente e actual, afinal a questão da banalização do conhecimento e da tecnologia não se vê muito discutida pelo publico em geral, mas devia. Quando temos a banalização das impressoras 3D, do sistema CRISPR ou no caso deste conto de Inteligente Artificial (IA), não pensamos nas consequências do que podem dai advir. Gostamos de nos concentrar no lado bom que essas tecnologias trazem e tendemos a esquecer ou ignorar os aspectos negativos, os perigos que acarretam consigo. O caso que o Mário relata no conto como o primeiro incidente com uma IA é quase cómico, mas demonstra bem os perigos que as IA podem trazer consigo.

Outros dos temas abordados, de modo tão subtil como cómico, é a nova vaga de cépticos das evidencias da ciência. O movimento anti-vacinas ou os que acreditam que a Terra é plana, são apenas dois exemplos dos muitos que infelizmente existem.

Faço todos este elogios mesmo sabendo que o Mário é da opinião (agora) que a "história teria ficado melhor se tivesse sido um pouco limitada, porque o início é arrastado" e que é algo que "ainda pesa "(coisa que me disseram e eu na altura discordei arrogantemente e devia levar um tabefe). E talvez ele tenha razão, talvez esta história fosse melhor com as alterações que ele sugere, mas esta, como já perceberam está muito boa. E se, só se editasse uma história quando estivesse perfeita então não se publicava nada porque haveria sempre algo a alterar, falo por mim que apesar de só escrever estes textos acho sempre que nunca está bem, que com uma alteração aqui e ali ficava melhor.

Resumindo e concluindo um excelente conto a fechar uma incrível antologia. E agora sou a dizer que mereço uns "tabefes" por não a ter lido antes.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Opinião - Alma Mater de José Pedro Castro




Lisboa, num futuro relativamente próximo, tomada (ainda mais) pelas grandes corporações e onde as assimetrias são ainda maiores. Onde os ricos vivem nas suas torres de vidro (bem) acima da ralé e dos vários gangues que governam a favela que é a Velha Baixa. É aqui que vive Maria, uma velha senhora, dona de uma livraria num mundo onde (muito) poucos lêem livros. Vamos encontra-la a procurar Sanjay, um rapaz que já conhece à muito e que está desaparecido. Na sua busca vamos explorar um pouco mais a cidade, os seus habitantes e as diferenças para os dias de hoje. Ao mesmo tempo vamos descobrir o paradeiro de Sanjay e conhecer uma misteriosa personagem que terá um papel central no desenrolar da trama e no seu final.

É um conto muito interessante, mistura aquilo que eu espero de uma história cyberpunk com a tecnologia a ter papel relativamente central, mas sem nunca descurar o lado humano da história.

Um dos seus pontos fortes foi o autor ter ancorado a história na realidade portuguesa, ao invés de ter sucumbido à tentação de ter como palco Nova York ou outra mega metrópole, porque apesar de vivermos numa mundo cada vez mais pequeno não há nada como o nosso lar, leia-se o nosso país.

Outro ponto forte deste conto foram as reviravoltas e para mim a maior foi a última, em igual medida inesperada e chocante, mas ao mesmo tempo (muito) lógica e isso é algo que não é comum encontrarmos.

"Alma Mater" de José Pedro Castro é o penúltimo conto desta antologia e mais uma excelente adição à mesma.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Opinião - Y+T de Marta Silva



Este conto marca a estreia literária da Marta Silva e posso dizer sem reservas que é uma estreia (muito) auspiciosa.

Esta é uma distopia sobre um (pequeno?) mundo controlado por uma esfera(?). É igualmente a história de Y e T, amigas e amantes (?). Uma (Y) vive inconformada com a sua vida e vive para saber, descobrir o que existe para lá das paredes deste mundo, a outra (T) vive acomodada com o seu mundo e a regras deste. Existe desde o inicio uma espécie de embate ideológico e de perspectiva entre os dois ponto de vista, a curiosidade e rebeldia de Y e o desejo de integração e continuação de T.

Toda a história é contada da perspectiva de T e logo ao inicio começa-se a desenhar um fim inevitável que adivinhamos (muito) grave.

Foi um conto que me deu bastante prazer ler, principalmente pela qualidade literária e maneira de escrever da Marta Silva. A sua escrita tem algumas particularidades, embora não sejam originais, como não usar letra maiúscula, algo "roubado" ao escritor Valter Hugo Mãe, e se ao inicio se estranha logo se ultrapassa e passa-se a ler como se isso fosse algo normal. Gostei do uso que ela dá às analepses e prolepses, que mais do que servir para nos aguçar a curiosidade do que foi e principalmente do que está para vir acaba por servir, e muito bem, para levar este conto, de modo quase subtil, para o subgénero do cyberpunk, embora só no final percebamos isso.

Mais um excelente conto nesta antologia.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Opinião - Pecado da Carne de Carlos Silva




"Pecados da Carne" é o terceiro conto e é da lavra de um autor já conhecido por aqui: Carlos Silva.

Se os anteriores contos desta Antologia tinham no centro das suas tramas elementos claramente Cyberpunk, este não. Não quer isso dizer que seja despromovido desses elementos. Eles estão lá, mas são mais acessórios, mais como elementos decorativos que mesmo retirados não afectariam (muito) a história contada. Este aspecto não influencia a qualidade da história, mas coloca-la numa antologia cyberpunk já me parece algo questionável.

O conto em si é uma distopia que versa sobre um mundo onde uma doença devastou o mundo. Os governos caíram incapazes de fazer face à pandemia. No seu lugar emergiram grandes corporações com apólices de saúde que apenas os mais ricos podiam pagar, obviamente. Essas grandes corporações construiriam cidades assépticas. Como parte do controlo (muito) rigoroso que é feito a tudo, mas mesmo tudo, isso inclui analises aos esgotos. Ora isso irá revelar que algo não está bem nesta espécie de cidade estado. E o resto vão ter de ler porque não quero estragar a história.

O conto tem uma estrutura clássica com principio meio e fim. O Carlos não utiliza analepses ou outros "truques". O final é interessante, mas para quem anda por cá há já tempo suficiente não será propriamente uma surpresa.

Tirando a falta de mais elementos cyberpunk entrelaçados na narrativa principal é um conto limpo e directo que se lê muito bem embora sem surpreender.

segunda-feira, 4 de março de 2019

Opinião - Modulação Ascendente de Júlia Durand



O segundo conto da antologia Cyberpunk Proxy é "Modulação Ascendente" da Júlia Durand.

A realidade de Irissa (Íris) é bastante familiar: ou se é (muito) produtivo ou é-se despedido com a agravante de a empresa denegrir o nome de quem despede tanto que outra nunca lhe dará emprego com todas as consequências que isso acarreta. Irissa, assim como todos os seus colegas é obrigada a ter ambição, de fazer por subir pela escada empresarial quer queira quer não. As suas motivações não se ficam pela mera comodidade em não querer abdicar da vida, mais ou menos desafogada, que leva. Isso também faz parte, claro, mas muito mais importante são as consequências que isso teria para a sua cara metade.

O contraste com o primeiro conto (Deuses como Nós de Vitor Frazão) é como da noite para o dia.  Se no primeiro temos a típica acção com corridas desenfreadas, armas a serem disparadas e munições a voarem por todos os lados, neste vamos encontrar um ambiente mais "calmo" (atenção às aspas). Não é uma história menos tensa e densa por isso, afinal temos vidas em risco apenas de uma modo diferente.

O final deixa algo no ar, como se houvesse algo que ficou por explicar ou um mistério que precisaria de outra tantas páginas para ser revelado. Ou então foi só a minha imaginação a trabalhar e a pregar-me uma partida. 

Não quero revelar muito, para não estragar a história a futuros leitores, mas ficou bem patente a habilidade da Júlia Durand e o porquê do Anton Stark ter seleccionado este conto para esta antologia.

domingo, 3 de março de 2019

Opinião (BD) - O Cão que guarda as Estrelas



Hoshi Mamoru Inu - Em tradução literal, "O Cão que guarda as Estrelas". É uma expressão Japonesa usada para descrever alguém que quer algo impossível. A origem vem da imagem do cão que fica a olhar o céu como se desejasse as Estrelas.
Na Introdução de "O Cão que guarda as Estrelas" de Takashi Murakami, edição JBC Portugal

Neste "O Cão que guarda as Estrelas" de Takashi Murakami não existe apenas uma história, mas várias que se vão intercalando e sucedendo. Começamos por ver como lentamente o tempo tudo muda, como o tempo vai erodindo tudo o que une uma família até não restar nada. A culpa é simultaneamente de todos e de ninguém. No centro disto tudo temos o cão Happy que entra na vida daquela família quando ainda está tudo bem e que a vai acompanhar até ao seu fim. Vamos assistir ao desmoronar da vida do Papá (é assim que lhe chama o Happy). Um homem que depois de um divórcio particularmente difícil fica quase sem nada. Sobra-lhe algum dinheiro, o carro e claro o Happy. Decide rumar à sua terra natal onde espera recomeçar, mas nunca lá chega. Isto é mostrado logo ao inicio, como que um aviso. Na viagem vão passar por muitos episódios, alguns tristes, outros felizes, mas o tom trágico nunca deixa de acompanhar a narrativa. E quando pensamos que a história acabou surge mais uma entrelaçada, naquela que acabamos de ler. O tom mantém-se trágico.  

Quanto à arte, achei que para uma história com um tom tão sério e trágico o desenho podia (deveria?) ter acompanhado, em vez de termos um traço algo caricatural, pelo menos aos meus olhos orientais.

É uma história que convida às lágrimas no canto dos olhos e quem durante a sua leitura, não ficar com os olhos pelo menos húmidos não é humano.

Este é um livro de sentimentos, é certo que, como já referi, o tom é trágico, mas também tem os seus momentos de alegria. É uma leitura mais pesada e os leitores mais maduros conseguirão compreender melhor todo o que se passa e assim tirar mais prazer da leitura. Não quero com isto dizer que leitores mais jovens não consigam também apreciar a história, acredito que a leitura irá enriquecer esses mesmo leitores mostrando-lhes e assim preparando-os para a possibilidade desses acontecimentos  

Título - O Cão que guarda as Estrelas
Autor - Takashi Murakami
Editora - JBC Portugal
Tradutor - não indicado

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Opinião - Deuses como Nós de Vitor Frazão



O primeiro conto da Antologia Proxy pertence ao Vitor Frazão com o titulo "Deuses como Nós".

O tom geral trás à memória alguns aspectos de "Neuromante" do William Gibson ou "Snow Crash" (Samurai: Nome de Código em solo luso) do Neal Stephenson como que a querer ancorar não só o seu conto, mas também o leitor à imagem que temos do que é o Ciberpunk. 

Somos brindados com uma cidade, Nova Oli, dividida entre os que tudo tem e os que de nada dispõem a não ser a sua vontade em viver, mas também entre a luz e a penumbra. É neste ambiente que vamos encontrar a antiquária (mas não só) Cleo Maltez que acaba por ser ver convencida a procurar Délio Ginjeira antigo sócio, e agora uma espécie de terrorista,  de Armando Zarco o todo poderoso dono de Ambrósia, Lda a empresa detentora do Elísio

Não quero revelar muito da história para a não estragar a quem ainda não a leu.

Num conto com cerca de quinze páginas alguma coisa terá de ser deixada, se não para trás, pelo menos para segundo plano e neste caso foi uma caracterização mais detalhada da cidade de Nova Oli e os seus contrastes como nos romances atrás mencionados. O Vitor Frazão nunca esquece isso e vai "metendo" onde pode esses elementos, mas acabam por saber a pouco. Compreende-se que o pequeno número de páginas a isso o tenha obrigado. 

O meu maior "problema" foram no entanto as analepses e prolepses. Apesar de ser um adepto da utilização deste tipo de "truque" se não forem bem urdidas na trama acabam por atrapalhar e frustrar mais do que fomentar a curiosidade e incentivar a leitura. Se as analepses das discussões entre Délio Ginjeira e Armando Zarco trouxeram luz sobre as motivações de cada personagem as de Cleo Maltez pareceram-me, não pela informação, mas pela maneira aleatória como foram colocadas, confusas.

Um bom começo desta Antologia Ciberpunk e um bom trabalho do seu autor que no seu todo se sai muito bem.  

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Proxy - Antologia Ciberpunk



Uma das razões para me ter juntado à iniciativa Leiturtugas (desde já o meu obrigado ao Jorge Candeias) é a de me obrigar a ler mais. Poderá parecer estranho, mas a verdade é que o mundo de hoje tem muitas distracções e o tempo não estica e muito menos anda para trás. E verdade seja dita tenho lido muito poucos livros no último par de anos.

E não só me obrigar-me a ler mais, mas ler mais em português e acima de tudo de autores portugueses. E se existe algo de que tenho orgulhado é de ter ajudado a divulgar bons autores portugueses que escrevem (principalmente) no nosso bom português. E espero continuar a descobri-los e a divulga-los.

Vai-me também obrigar a escrever sobre o que leio, algo que muitas vezes fica pelo caminho...

A verdade é que tenho as estantes (físicas e virtuais) cheias de muitos e bons livros de autores portugueses que se encaixam nas "exigências" da iniciativa Leiturtugas e assim, como se costuma dizer, une-se o útil ao agradável.

Assim chego a esta antologia da Editorial Divergência: Proxy que é a primeira experiência antológica de cyberpunk em Português. Lançada nos idos de Setembro de 2016, já assombrava as minhas estantes à demasiado tempo e que por razões que nunca conseguimos explicar completamente, não seria certamente por falta de vontade, foi ficando na estante a ganhar pó (como infelizmente outros)

Com edição do Anton Stark, um prefacio do sempre certeiro e caustico João Barreiros (e que nunca desilude) este será o meu objecto de atenção durante as próximas seis semanas. Com uma opinião por semana a sair à segunda-feira e começa já amanhã com "Deuses como nós" do Vitor Frazão. 

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Opinião (BD) - Starlight: O Regresso de Duke McQueen



O Pedro Cleto do blog As Leituras do Pedro, como o próprio afirma, ficou surpreso por José de Freitas, editor da G Floy, ter incluido nas suas escolhas de 2018 este "Starlight - O Regresso de Duke McQueen". Tal como o Pedro Cleto também eu fiquei curioso e novamente como o Pedro Cleto também eu fui "resgatar" a minha cópia (literalmente) do meio da pilha de BD's a ler. 


Esta é uma BD evocativa de figuras como Flash Gordon ou Buck Rogers, mas Starlight é mais do que uma mera homenagem a essas histórias e isso pode logo ver-se nas primeiras paginas. Onde essas histórias terminam, esta começa.


Começamos no que costuma ser o fim deste tipo de histórias: o herói a ser homenageado e aclamado depois de ter salvo o povo do planeta Tantalus do seu tirano governante. Somo então catapultados para o Presente da personagem, um Presente triste e cinzento.



Depois do seu regresso à Terra, cai em descrédito porque ninguém acredita nas aventuras que diz ter vivido e acaba por cair no esquecimento, embora nunca totalmente esquecido.

Para mim o melhor desta BD é o seu primeiro capitulo onde os autores exploram a vida do outrora piloto de teste e herói Galáctico caído em desgraça. De como tudo se passou, de como a sua esposa foi um pilar, sempre ao seu lado quando ninguém acreditou que ele havia viajado até outro planeta, de como a morte da sua esposa deixa Duke McQueen, um homem já a entrar na terceira idade , naufragado entre as memorias de outros tempos mais gloriosos e um presente onde os seus dois filhos, já com as suas próprias famílias, o colocam de lado por falta de tempo e vontade. Tudo isto num só capitulo, muitas vezes de modo indirecto e onde temos paginas inteiras sem um único balão de diálogo. Para mim simplesmente brilhante e demostrativo das capacidade dos autores.




É neste momento de indefinição da vida de Duke McQueen que aterra uma nave nas traseiras da sua casa. Nela um rapaz do mundo que Duke salvou à tanto tempo, vem para pedir a sua ajuda pois Tantalus encontra-se novamente preso nas garras de mais um déspota e apenas o grande herói Duke McQueen poderá salvar novamente Tantalus. 


E acho que já sabemos o que se vai passar a seguir. Apesar da indecisão inicial Duke McQueen segue o seu jovem admirador de regresso a Tantalus onde irá viver muitas aventuras até ao inevitável fim, onde tudo, spoiler alert, acaba bem.

Confesso que, pelo menos durante o primeiro e segundo capitulo ainda pensei, tal como o resto das personagens, que as aventuras do jovem Duke McQueen tinham sido uma ilusão. E que com a morte da sua esposa e o alheamento dos seus filhos essas histórias tenham regressado ainda mais em força à mente frágil de um homem à beira do abismo. Pergunto-me se isto passou pela mente de outros leitores ou mesmo dos seus autores. 

Em conclusão "Starlight: O Regresso de Duke McQueen" é uma BD interessante que pega num velho tema e lhe dá uma nova interpretação. Gostei da arte de Goran Parlov que me pareceu adequada ao ambiente que retrata. 


Título - Starlight: O Regresso de Duke McQueen
Argumento - Mark Millar
Arte - Goran Parlov
Editora - G Floy
Tradutor - João Miguel Lameiras

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Opinião - O Poder de Naomi Alderman



Confesso que tinha grandes expectativas para este livro e isso geralmente acaba por não correr bem. A ideia que lhe serve de base deixou o leitor que sou a "salivar" em antecipação. No seu todo achei o resultado interessante, mas com alguns reparos que poderia ter tornado o livro ainda melhor, na minha humilde opinião claro.





Para começar este é um livro dentro de um livro. Confusos? Permitam-me explicar: o livro começa num futuro (muito) longínquo em que se inverteu a dinâmica de poder. Neste tempo são as mulheres quem mandam.  A autora introduz-se no livro como personagem, uma editora que tem de avaliar um livro de um homem que escreveu um romance histórico fantasiado sobre como ocorreu a transformação da sociedade baseado nas provas arqueológicas que tem à sua disposição. O que vamos ler é esse livro. Portanto é uma ficção dentro de uma ficção. Não sei bem o que sentir sobre esta "artimanha". Já tinha visto algo muito similar a ser utilizada há muitos anos num livro que me deixou saudades: "A Segunda Manhã do Mundo" de Manuel de Pedrolo.

Somos pois transportados para essa ficção baseada em factos verídicos desse futuro mundo, ou tão perto disso quanto possível.  Neste mundo ficcionado ao quadrado somos levados ao inicio. É-nos mostrado, como as mulheres começaram a ganhar o Poder, das rápidas e não tão rápidas mudanças na sociedade. A autora tenta a difícil tarefa de balançar a macro e a micro história, o pessoal e o mundial  e acho que se sai bem.

Como homem confesso que senti falta de mais um personagem masculino para nos mostrar mais o outro lado, mais outro ponto de vista. Tunde é um personagem interessante e do qual gostei, mas achei que fazia falta um tipo "normal", como um marido, pai, irmão ou filho, um Zé Manel, com que os leitores masculinos se pudessem ligar. 

No fim fiquei com a sensação de que a autora podia ter ido um pouco mais longe, mostrado mais pontos de vistas. Optou por se ficar por menos, longe de ser algo mau ou bom, foi uma decisão que teve de ser tomada. Seria este livro melhor com mais pontos de vista? Um pergunta interessante, mas que dificilmente terá resposta. 

Voltando ao que disse no inicio as expectativas podem ser tramadas e acho que foi isso que me aconteceu. Gostei do livro, mas sinto que teria desfrutado mais se não tivesse as expectativas tão elevadas. Ainda assim é um livro que recomendo. 

Título - O Poder
Autores - Naomi Alderman
Colecção Bang! n.º 286
Editora - Saída de Emergência
Tradutor - Sónia Maia