domingo, 19 de outubro de 2014

Opinião - Lisboa no Ano 2000 (Antologia)



Quando na revista Bang! n.º 10 apareceu o desafio para esta antologia e depois de ter lido várias vezes os pressupostos em que assenta este universo Electropunk, a única coisa que me vinha à mente era: "Isto é estúpido!". Não parava de pensar em como já vivemos num mundo movido a electricidade, os electrodoméstico, os comboios até os carro já estão a caminhar a passos largos nesse sentido, portanto onde estava a inovação? Mas lá resfriei o meu negativismos (e falta de imaginação) e decidi dar uma oportunidade a esta antologia, até porque ao leme vai o João Barreiros e isso para mim é mais que suficiente para lhe dar o beneficio da duvida, e claro que gosto de falar, bem ou mal, com propriedade, e claro que não fiquei nada desiludido com o resultado final, mas vamos por partes.



Prólogo - (Acho que) Percebo o que o João Barreiros tentou fazer aqui: unificar este universo e embora engraçado o modo como foi escrito continua-me a parecer estranho e sendo totalmente sincero desnecessário.


O Turno da Noite de João Barreiros - Quando li "O Turno da Noite" na revista Bang! n.º10 e novamente nesta antologia "assustei-me". Parecia a escrita do João Barreiros, as temáticas são as típicas do João Barreiros, mas há ali um travo a "metafisica", para não dizer fantasia (heresia!!!) que o meu paladar estranhou logo. Mas passado o "choque" temos mais uma excelente texto bem à maneira do Barreiros e que é uma delicia para quem, como eu, aprecia o seu trabalho.


Venha a Mim o Nosso Reino de Ricardo Correia - Gostei bastante do inicio, mas a partir dai foi sempre a descer. Temos um espécie bispo da IRUD lá do sitio, feiras-ninjas e um robô gigante, mas de alguma forma não vi o puzzle encaixar.  Por exemplo achei as freiras-ninjas um toque interessante e com o seu quê de cómico, mas aparecem ali quase "caídas do céu". 


Os Filhos do Fogo de Jorge Palitos - Um conto interessante que me pareceu ter alguns elementos (inspiração) do livro "O Prestigio" de Christopher Priest (e não digo isto com conotações negativas). A imortalidade não é propriamente a temática, mas sim o Carpe Diem e uma experiência que corre muito mal. Gostei quer da temática quer do tom embora ache que devia ter sido mais "polido".


Dedos de AMP Rodriguez - Um conto com um humor subtil e muita critica social devidamente embrulhados numa investigação de estranhos acidentes de trabalho. Gostei bastante do personagem principal, que é também narrador e da sua maneira de ver o mundo, ou neste caso a resignação a que se vota.


As Duas Caras de António de Carlos Eduardo Silva - Um conto de espiões como se estivéssemos na Segunda Grande Guerra, com agentes duplos (ou mais) ao serviço quer de Portugal, quer da Germânia, e um final muito bom, alias todo o conto está bem escrito e no "tom" certo. 


Electro-dependência de Ana C. Nunes - O uso da electricidade como uma droga foi uma ideia bastante interessante, mais ainda a de utilizar um humano com poderes e que também é capaz de a "injectar", embora não seja o único método. Um conto cheio de ideias interessantes e bem aproveitadas pela seu autora que nos dá um final muito bom.


Nanoamour de Ricardo Cruz Ortigão - Um autor que afinal são dois e um conto que fala de amor e tal como o anterior dá uma nova roupagens ao algo bem antigo, neste caso as poções de amor, mas claro que devidamente adaptadas a um mundo onde a electricidade é rainha e senhora. Um final muito bom e que me deixou com um sorriso nos lábios.


Energia das Almas de João Ventura - O João Ventura é um escritor já com calo e isso está bem patente neste conto. A ideia base deste conto é bastante interessante e tem por base o trabalho do medico Duncan MacDougall sobre o peso das almas devidamente "misturado" com uma das premissas do conto "O Turno da Noite" do João Barreiros, a dos seus mortos que se alimentam do vivos. Ainda consegue lá introduzir o trabalho de Albert Einstien. 


Fuga de Joel Puga - Um conto interessante, mas mais pela critica que faz ao mundo literário actual em que apenas se publica mais do mesmo ao sabor das modas que vão aparecendo. O personagem principal é Tércio um programador que tem um trabalho rotineiro que mata qualquer iniciativa e criatividade e que sonha em ser escritor. O final reflecte o nosso estado literário actual.


Tratado das Paixões Mecânica de João Barreiros - Mais um magnifico conto do João Barreiros em que ele regressa a alguns dos seus temas por excelência, brinquedos, a invasão da (Fortaleza) Europa por África, neste caso uma autofábrica que quer assentar arrais na Caparica. Um conto "à" Barreiros e o meu preferido dos três aqui apresentados. Um final que me agradou bastante pelo humor.


O Obus de Newton de Telmo Marçal - Já conhecia os trabalhos do Telmo Marçal publicados na internet e claro o seu "agrupar" no excelente livro que é "As Atribulações de Jacques Bonhomme" (e que por estes dias está estupidamente barato portanto aproveitem), mas este conto foi uma surpresa. O tom do conto não condiz com a imagem que tenho do autor. Longe de ser algo que me tenha degradado foi com muito gosto que descobri esta nova faceta do autor. Com um prosa muito "literária" e uma história complexa lá fui desbravando as páginas. Para uma antologia que ser queria ambientada em Lisboa este conto passa lá muito pouco tempo, mas isso pouco interessa quando somos confrontados com a sua excelsa qualidade.


Ex-Machina de Michael Silva - A electroesfera esconde coisas para além da imaginação do homem e neste conto vamos descobrir o quanto elas podem ser assustadoras. Um conto com ideias interessantes, nota-se ali a "mãozinha" de H. P. Lovecraft, e uma escrita com bons apontamentos de humor.


A Rainha de Pedro Vicente  Pedroso - Se existe animal que está ligado à electricidade é a enguia, a eléctrica claro e neste conto temos uma espécie de Capitão Ahab à procura da sua Moby Dick em forma não de baleia, mas de enguia eléctrica nas turvas águas do Tejo. Uma ideia interessante e bem desenvolvida pelo Pedro Vicente Pedroso. 


Taxidermia de Guilherme Trindade - É um dos contos que mais me surpreendeu nesta antologia porque não fazia ideia do que esperar mesmo até ao final e que final. Existem historia que por muito misteriosas que sejam nós vamos conseguindo descobrir o que se passa, mas aqui não o que apenas tornou a sua leitura ainda mais interessante. Sem duvida um dos melhores contos desta antologia em todos os aspectos.


Quem Semeia no Tejo de Pedro G. P. Martins - Um conto com algumas ideia interessantes, mas que poderia ter sido mais trabalhado e alongado. É um dos poucos contos com "ligação directa" ao conto de partida / inspiração desta antologia "O Turno da Noite".


Coincidências de Pedro Afonso - Coincidências é um conto interessante que nos permite ter uma visão bastante alargada do ambiente que se vive não só em Lisboa, mas também na Europa, através da relação entre um escritor e uma estranha mulher que ele conhece em igualmente estranhas circunstancias. 


Chamem-nos Legião de João Barreiros - E para finalizar com chave de ouro a terceira parte de "O que escondem os Abismos". Uma história contada através de duas linhas narrativas que se vão inevitavelmente encontrar, quanto ao resto bastará dizer que é escrito pelo João Barreiros


Epílogo - Se achei o Prólogo desnecessário o Epílogo não podia ser diferente.  



Como em qualquer antologia a qualidade dos contos varia (muito), mas de um modo geral os trabalhos apresentados estão em bom nível. Esta antologia está cheia de ideias interessantes, como alias me fartei de escrever, algumas muito bem aproveitadas outras nem por isso, mas só o facto de os autores terem revelado essa imaginação já é prometedor desta nova geração de autores.
Outro aspecto importante está na dificuldade em manter uma coesão histórica e cronológica comum e claro que com tantos autores algumas coisas falham e temos algumas variações sobre os mesmos temas como é exemplo as varias visões sobre a família real. Não é propriamente algo mau, mas a tentativa de unir este universo feita por João Barreiros no Prólogo e o Epílogo apenas acentua o quanto estas são prescindíveis. Sou da opinião que uma introdução e quem sabe um nota final tivesse sido uma aposta melhor.
Numa nota sobre a historia desta Antologia recentemente o "Tio" Barreiros comentou no Facebook que esta ideia é bem mais antiga do que eu tinha imaginado e que já vem da altura em que a colecção de FC da Caminho, a dos livrinhos azuis, mas os seus camaradas Portugueses (e Brasileiros) da colecção não olharam com muito bons olhos este universo partilhado. Mau para eles, mas bom para nós e para toda esta nova geração de autores que assim puderam brilhar na electroesfera. 


Por fim gostava de deixar aqui um pedido de desculpas em primeiro ao meu bom amigo Fiacha, que tão amavelmente me deu este livro e que apenas pediu em troca que eu desse a minha opinião, mas que foi algo que demorou a fazer, aos autores por ter escrito um opinião demasiado tempo depois de lido os mesmo, o que não me permitiu ter os pormenores tão "frescos" quanto o desejável (embora tivesse tirado algumas notas e relido na diagonal quando necessário) e claro ao leitores porque podia ter feito um trabalho melhor. A todos a minhas desculpas.



Título - Lisboa no Ano 2000
Autores - João Barreiros, Ricardo Correia, Jorge Palitos, AMP Rodriguez, Carlos Eduardo Silva, Ana C. Nunes, Ricardo Cruz Ortigão, João Ventura, Joel Puga, Telmo Marçal, Michael Silva, Pedro Vicente  Pedroso, Guilherme Trindade, Pedro G. P. Martins e Pedro Afonso.
Editora - Saída de Emergência
Colecção - Bang!

4 comentários:

  1. Olá Marco,

    este livro já me foi recomendado na própria livraria que frequento e ainda não o adquiri. Tenho de o fazer. Esta tua opinião é mais uma achega para a minha curiosidade, pois fiquei bastante agradada com o que escreveste. Parecem-me contos com temáticas que gosto bastante!

    Vou começar a ler o conto do João Barreiros: O turno da noite, para a leitura conjunto do Cantinho do Fiacha.

    Boas leituras!

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    1. Olá Miss Lamora

      Tentava fazer-te sentir culpada por ainda não o teres adquirido, mas também eu tenho esse "telhado de vidro", remendado pelo amigo Fiacha.

      Realmente um bom livro e um excelente barómetro sobre a qualidade dos novos talentos Portugueses. Espero que leias e que gostes

      Um abraço

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  2. Viva Marco,

    Antes demais parabéns por mais um excelente contributo e não me parece que tenhas que pedir desculpas a ninguém ( o bom amigo corvo incluído, pois não te dei prazos :D ), quanto muito podes é não ter tão presente cada conto, dai por norma gostar de comentar os livros, mal acabe.

    Quanto ao livro não li não posso comentar muito, como sabes contos não é bem a minha praia, mas parece que está bem pensada e planeada e claro fico cada vez com mais curiosidade em conhecer melhor o trabalho do Tio, afinal tanto divulgo o seu trabalho mas só li um conto, que adorei e foi publicado na Pulp Ficion, organizada pelo Luís Filipe Silva.

    Penso que para os amantes do género é um boa aposta e que vale a pena ler ;)

    Abraço

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    1. Olá Corvo

      Antes de mais obrigado por tudo, o apoio incondicional e o livro.

      Não me destes prazos, mas senti que podia ter feito isto à muito mais.

      Essa tua "teimosia" com os contos... ai, ai é um bom livro que mostra bem o talento dos novos autores

      Tens de ler agora onde vais buscar o livro não sei... :D

      Um abraço

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