segunda-feira, 21 de maio de 2012

O paradoxo paradoxal

Nunca, como agora lemos tanto, mas ao mesmo tempo nunca o que lemos foi tão conciso. A moda começou nos telemóveis com o advento das mensagens, as Short Messege Service (SMS) e o seu limite de 160 caracteres, e com o tempo foi evoluindo. Nos jornais e revistas, salvo raras excepções, os artigos são cada vez mais curtos e sintéticos, as pessoas querem as noticias como querem o café, curto e para levar que tempo é dinheiro.
As redes sociais, também não ajudam, estando o twitter à cabeça com o seu limite de 140 caracteres que até já serviram para escrever livros(?!). Os blogs também não escapam a esta tendência e os texto curtos são a regra. O (nosso) Nobel da Literatura, José Saramago chegou a dizer sobre o twiter: "Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau vamos descendo até ao grunhido".
Mas o que é uma regra sem uma excepção? Pois bem essa excepção pode ser encontrada na Literatura Fantástica.

Para os leitores de Literatura Fantástica  a regra são as sagas (intermináveis) e/ou o calhamaço. No inicio a Literatura Fantástica vivia (principalmente) do conto, os grandes escritores de outrora começaram as suas carreiras pelo conto, mas hoje em dia o conto quase que é desprezado. A revista Bang! é a única, profissional, no panorama nacional que vai publicando contos e vamos tendo algumas fanzines de carácter amador também.
Das três colecções dedicadas ao Fantástico em Portugal, a Via Láctea (Presença), já com mais de 100 titulo apenas tem um livro que se aproxima, "O Último Desejo" de Andrzej Sapkowski. A colecção 1001 Mundos (Asa) tem três, a recente antologia de ficção cientifica "Fantasporto" de vários autores e com a organização do Rogério Ribeiro, e duas antologias de autores nacionais, o excelente "As Atribulações de Jacques Bonhomme" de Telmo Marçal,  e claro "Se Acordar Antes de morrer" do grande João Barreiros. E por ultimo a colecção campeã, a Bang (Saída de Emergência), que entre as antologias subordinadas a um tema (cinco), e as dedicadas a um autor (cerca de 30, embora alguns possam ser discutíveis) já leva um bom avanço às suas concorrentes. Já sei o que muitos estarão a pensar neste momento, mas devo avisar que estes livros de contos muito raramente tem sucesso e/ou são alvo de reedições, muitas vezes apenas são editados por casmurrice de editores saudosos.

O conto é então umas das melhores formas de contar uma história, pois não se pode alongar, não se pode "distrair" com banalidades, tendo de se concentrar no que realmente importa, a história. Já as sagas muitas vezes ou se "perdem" ou vão dar a volta pelo caminho mais longo.
A saga e o calhamaço respondem à nossa "fome" de sabermos mais um pouco de mundos que nos encantaram, mas sem que tal seja sinonimo de algo novo, muitas vezes acaba por ser mais do mesmo. O conto é o essencial, nem mais nem menos, e é uma pena que o publico mais jovem não pareça saber o que anda a perder.

Deixo um link para o livro de contos vencedor do prémio Caminho Ficção Cientifica em 1991, "O Futuro à Janela" do Luís Filipe Silva e que na introdução, apropriadamente intitulada "A Importância do Conto" o seu autor defende o conto de uma maneira que eu apenas posso invejar. Leiam, não só a introdução, mas também os contos e saibam do que esta magnifica forma de contar uma historia é capaz.

O Futuro à Janela de Luís Filipe Silva

PS: Numa nota algo ironica, no dia em que escrevo estas palavras, o prémio Camões é atribuído a Dalton Trevisan, também conhecido como mestre do conto. Afinal talvez ainda exista esperança...


1 comentário:

  1. Olá,

    Estou completamente de acordo com a tua análise. Acho que realmente há duas "fomes" aqui envolvidas: a de sermos imersos num mundo estranho, muitas vezes precisamente a nossa queda escapista (pela qual a literatura fantástica leva tiro de canhão do campo da literatura "realista", a tal que discute os assuntos "sérios"; mas isso é outra discussão!), para a qual o calhamaço é mais adequado, e a de sermos intelectualmente espicaçados de forma mais acutilante, e aí talvez o conto seja a forma mais adequada (e aqui levamos tiro de canhão dos que odeiam a omnipresença do twist).

    Mas até aqui falamos do ponto de vista do leitor. O que parece ser esquecido geralmente é que esse poderá não ser sobreponível ao ponto de vista do escritor. Aqui, já me surpreende mais a aversão ao formato conto. Afinal, do ponto de vista técnico, o conto será a melhor forma de polir estrutura, exposição, e principalmente caracterização e diálogo (muito pelas razões que já apontaste). Depois torna-se fácil perceber porque são têm os nóveis calhamaços uns pés de barro tão frágeis!

    Quanto ao "mercado", creio que é de extrema importância trazer para este debate o facto das pequenas editoras (já para não falar das vanity presses!*) parecerem estar a encontrar margem de manobra e penetração precisamente no segmento dos contos. Aliás, estando o Brasil com maior capacidade financeira neste aspecto, não deixa de ser assinalável o número considerável de portugueses que têm sido incluídos na selecção dessas publicações. Caberá a nós provar (como por exemplo o Luís Filipe Silva fez com a "Por Universos nunca dantes navegados") que por cá pelo burgo também haverá capacidade de o fazer, com a devida exigência de qualidade (que é ainda outra discussão! ;)).

    (* quanto às vanities, são demasiadas vezes jogadas para engajar clientes, cobrando a participação nas respectivas antologias, que depois raramente têm algum tipo de divulgação, distribuição ou visibilidade, para que se possa considerá-las de forma séria).

    Um abraço,
    Rogério

    ResponderEliminar